''E então, como vamos encontrar um demônio?'' Morgana jogou seus cabelos para frente a fim de cobrir as orelhas,ao mesmo tempo em que caminhávamos floresta adentro. Era uma tarde nublada e sombria, o céu estava completamente cinza e restavam poucas árvores com folhas. O vento deveria estar absolutamente gelado para ela.
''Bom, não é uma tarefa fácil, eles podem estar em qualquer lugar.'' Respondi, enquanto percorria meus olhos por todo o caminho identificando cada detalhe.
"Espero que Lestat não nos tenha feito perder tempo neste lugar infeliz, estou sentido frio demais!'' Ela choramingou, fechando seu casaco de lã até o pescoço. Eu gostaria de poder dizer a ela que compartilhava dessa sensação, mas a minha pele já não tinha mais sensações externas a muitos séculos.
''Estou longe de ser aquele que mais o defende, porém acredito que este local que Lestat nos indicou talvez sirva de alguma utilidade, ele já teve muitos amantes e homens livres que eram escravos no nosso tempo. Velhos hábitos nunca mudam.'' Felizmente, a conversa sobre esse assunto não poderia ser mais estendida, havíamos chegado.
Por fora era uma cabana comum no meio do nada, toda feita de madeira e com um suporte para tocha ao lado da porta. Foi preciso apenas uma suave batida para que a porta já se abrisse. Nossa anfitriã já nos esperava.
''Louis, o bicentenário. Eu já esperava por você.''
''Tia-D'alma, é um prazer revê-la depois de cem anos. Vejo que a maldição da juventude é real, afinal.''
Apresentei-a Morgana, sabendo que Tia-D'alma era uma velha conhecida minha. Uma negra alta, com os cabelos tomados por compridas tranças, jovem e bonita com roupas de antigas de rituais africanos, já que sua especialidade era prestar serviços clandestinos se utilizando do vodoo, uma magia africana antiga que eu já conhecia desde garoto.
''Morgana, esta mulher é uma velha conhecida minha, seus ancestrais trabalharam para meu pai e para mim por muitos anos nas lavrouras até minha transformação. Ela ainda era criança quando fui transformado, porém já praticava sua feitiçaria.''
''Eu me lembro quando você nos libertou. Colocou a casa em chamas, depois de matar a minha irmã, nós já sabíamos o que você e seu amigo eram.'' Ela sorriu com malicia, sem tirar os olhos dos meus e do meu peitoral, que se destacava sob a minha camisa.
''Então, será que podemos conversar lá dentro? Caso não saibam eu ainda sou humana e estou sentindo frio!" Ela olhou para Tia-D'alma com ódio, o que me fez indagar se Morgana estaria com ciúmes.
Sem dizer nada, a feiticeira vodoo saiu do caminho e nos permitiu entrar.
Por dentro, sua casa era exatamente como de uma feiticeira vodoo: no teto da sala haviam gaiolas de vários tamanhos abrigando vários pássaros diferentes, como corvos, corujas e outras espécies. Vasos de cerâmica de várias cores e formatos também estavam amarrados ao teto por cordas.
Prateleiras cobertas de livros, recipientes,vidros,ervas e outros utensílios ocupavam cada canto das paredes. Morgana olhava tudo com interesse.
''Lestat me avisou que viriam, eu não poderia recusar, eu devia um ... favor a ele.'' Ela sorriu sedutoramente para mim, depois voltou-se para Morgana com desgosto e ironicamente. ''Talvez sua namorada queira um copo d'água? Está secando a minha cabana.''
''Eu prefiro não beber nada vindo de você.'' Morgana cuspiu as palavras. Passei a mão pelos meus cabelos, a última que eu precisava naquele momento era separar a briga de duas mulheres. Soltei um pigarro.
''Você sabe de tudo o que há para ser ou não visto, Tia - D'alma. Então deve imaginar o que queremos.''
''Naturalmente, naturalmente.'' Ela disse lentamente, depois se levantou , tirou um cachimbo de madeira de uma gaveta, encheu-o com erva-de-fumo e sentou-se para fumar. ''Vampiros são seres extraordinários, lido com o sobrenatural a muito tempo, mas vocês me seduzem... principalmente você....'' Ela tirou o chale de cima dos ombros, e eu vergonhosamente notei seu belo decote.
''Vamos logo ao que interessa ? Precisamos de um demônio e não de ouvir suas cantadas!'' Morgana esguichou, o que fez com que Tia-D'alma soltasse uma gargalhada.
''Morgana!'' Exclamei, envergonhado. ''Tia-D'alma me desculpe, eu ....''
''Está tudo bem, está tudo bem, como se essa garota me intimidasse, ela sabe que nossa história é longa e não pode competir comigo, ha-ha!''
Revirei os olhos e olhei para Morgana com um olhar de ''por favor, não briguem, não viemos aqui para isso''. Ela apenas suspirou e não disse nada.
''Vocês precisam de um demônio, para conseguir uma bala de projétil forjada no calor do próprio inferno. Mas a grande questão é: para quem vocês querem que eu peça?''
''Bom, eu achava que você poderia nos dizer, afinal é a especialista. Desconheço por completo destes assuntos.'' Eu disse timidamente, de forma que eu não parecia ser desrespeitoso.
''O vodoo trabalha com outras vertentes, porém para o que você precisa terei que recorrer à magia goétia, pouco utilizada por mim mas que já me deu bons resultados. Existem uma média de 72 espíritos demoníacos diferentes nesta magia, querido Louis.'' Ela sorriu, ao mesmo tempo em que afundava mais na cadeira para fumar, colocando seus pés cobertos por botas em cima da mesa.
''E qual deles pode fazer isso ?'' Morgana tomou a fala , porém sem traços de ciúme na voz, mas com interesse. Tia-D'Alma sorriu desdenhosamente para ela.
''Vários, mas há um que posso evocar e que talvez levará vocês diretamente as respostas que desejam.''
''E qual você escolherá ?''
''Eligos''. Ela sorriu. ''E ele fará questão de acompanhar vocês.''
''Aonde quer chegar, Tia- D'Alma?'' Olhei no fundo de seus olhos, cheio de expectativas. Por uma fração de segundos, ela ficou admirada pelo brilho amarelo de meus olhos, e sorriu com uma estranha doçura e seu sorriso, cujos lábios estavam pintados em batom negro, se abriu ainda mais.
''Farei com que Eligos fale diretamente com vocês através de mim.''
''Meu Deus, Louis.'' Morgana sussurrou, apertando meu braço com força. ''Ela está falando de possessão!''
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Pesadelo e Luxúria - Mais crônicas vampirescas
VampireMais de vinte anos se passaram após Louis ter avistado Lestat, após dar sua entrevista, que ficou conhecida por todo mundo e levada a sério por quase ninguém. Seguindo uma vida solitária, Louis se sente cada vez mais sozinho e melancólico, por achar...