A Porta

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Pouco tempo depois de se aposentar, Hanna mau conseguiu se acostumar com sua nova rotina e já vinham mais problemas, ou não, vai depender dela...

Numa noite fria de sexta-feira, Hanna prepara para seu esposo um caldo de legumes com queijo e torradas de acompanhamento. O seu marido chega beija-lhe o rosto e reclama mais uma vez da neve lá fora, das ruas escuras e do cansaço por ter terminado mais uma semana de trabalho. Até aí tudo normal... Ela já estava acostumada com a ladainha das sextas-feiras de inverno inglês.

Mark jantou, agradeceu a comida deliciosa, Hanna sorriu! Ele subiu ao quarto do casal. Sua mulher estava limpando a cozinha após o jantar, quando escutou um barulho estranho pela escada da casa.

- O que está acontecendo, querido? Que malas são essas? Você vai viajar? Perguntou aflita.

Mark constrangido respondeu:

- Querida, eu estou indo embora. Vou morar em outro bairro. Você é uma mulher maravilhosa, mas o nosso casamento não está bem. Há algum tempo venho pensando em tomar essa decisão e chegou a hora. Não posso mais adiar.

A mulher, pálida e atônica, apoiou-se no corrimão da escada porque já não sentia o chão embaixo de seus pés.

- Mark, você está saindo de casa? 

- Você tem outra mulher?

Insistia Hanna por respostas.

- Me desculpe querida. Não vamos falar sobre isso agora.  Depois, marcaremos  um horário para eu pegar o resto das minhas coisas e então conversaremos.  Adeus.

Aquela foi a noite mas longa da vida de Hanna. A imagem de seu marido saindo pela porta não saia de sua mente e a certeza de que eles não voltariam a ser um casal novamente, deixava a pobre mulher em uma tristeza profunda. Ela sabia que o seu casamento havia chegado ao fim e não haveria chance de reconciliação.

Possessiva e ciumenta, a ex-esposa de Mark gostava de controlar os passos de seu marido. Ele sempre foi calmo e paciente,  quase não existia brigas entre o casal. O aviso da separação nunca fez parte dos pesadelos dela. 

- Como ele pôde me abandonar?  

- Eu nunca desconfiei que ele tinha uma amante!

Após algumas semanas, a campainha toca e Hanna aborrecida vai até a porta, a chegada de uma visita inesperada acabava de interromper o seu programa de TV favorito. Mais magra e ainda com o olhar entristecido, mantendo o seu jeito imperioso, abriu a porta.

- Por quê tocou a campainha Mark? Você perdeu as chaves?

- Não querida, as chaves estão aqui. Disse o homem, um pouco constrangido, mas simpático.

Mark tirou as chaves do bolso de seu casaco e entregou nas mãos frias de Hanna que retribuiu a simpatia oferecendo-lhe uma bebida. Os dois conversaram. Agora, sentindo-se um pouco mais aliviada, pois acabara de saber que não havia sido trocada por outra mulher. Aos poucos a vida seguiu seu rumo.

Hanna não tinha filhos e agora estava sem marido, solitária aguardou a chegada do verão.  Ela  estava decidida a recomeçar sua vida em um lugar distante. A separação de Mark a fez se sentir desprezada, ela possuía poucos amigos, e com frequente recusa aos convites para encontros e sem responder as mensagens, aos poucos foi perdendo o contato até com os amigos mais íntimos. Ela estava pesquisando alguns possíveis lugares para passar uma longa temporada e após ler bastante e analisar dezenas de fotos, em fim, escolheu o lugar. Assim que chegou ao seu destino, ficou encantada... E naquele mesmo instante tomou a decisão que mudaria a sua vida para sempre.

Deixou o hotel por um pequeno apartamento no centro da cidade que acabara de alugar. Ela decidiu que seria feliz. Num lugar estranho e sem conhecer ninguém, Hanna se reinventou, cortou os cabelos, comprou novas roupas e passou a fazer coisas que jamais imaginou ter coragem algum dia. Certa vez,  ao chegar em casa esbarrou em Louis, seu vizinho, que muito gentil, sempre a cumprimentava com um sorriso no rosto.

-Olá, vizinha! Como vai?
Dizia ele. Ou, não raro, despejava todo o seu charme em elogios:

- Nossa! Você está muito bela.

-  Essa roupa ficou ótima em você.

Hanna que apesar de ainda sofrer pelo fim de seu casamento não exitou em  aceitar o convite para jantar daquele homem tão simpático e sedutor.

Após uma noite agradável e em um momento de carência, a mulher não resistiu as investidas do dom Juan e se rendeu aos seus encantos. Foi uma noite de muito sexo. Pareciam dois jovens adultos. Hanna adorou acordar ao lado daquele homem.

Louis era gentil e atencioso, mas também muito complicado e de temperamento difícil. Conhecia a cidade como a palma de sua mão e também era aposentado, um guia turístico perfeito para a mais nova residente de Tavira. Em pouco tempo, começaram a procurar uma casa para alugar e dar início a um relacionamento mais sério. Louis impôs um tipo de relacionamento diferente entre eles e Hanna completamente apaixonada, não exitou e aceitou.

Apesar de morarem na mesma casa, eles tinham liberdade para se envolverem com outras pessoas - mulheres e homens. Hanna sofria, mas fingia que estava tudo bem. Não demorou e as brigas passaram a serem diárias, o sexo já não existia. De namorada a melhor amiga, ela fingindo se preocupar com o seu "amigo", sempre conseguia afastar as novas conquistas do sedutor Louis. Com a desculpa de que só queria vê-lo feliz, dava-lhe conselhos sobre os novos relacionamentos e o convencia de que a/o fulana(o) não era a pessoa ideal para ele, que a essa altura já era facilmente manipulado por ela.

Louis  percebeu que a liberdade de antes deixou de existir, dando lugar a várias ligações telefônicas e mensagens de WhatsApp com perguntas do tipo:  Onde e com quem ele estava? Os falsos pretextos para ele retornar imediatamente a sua casa... Sentindo-se sufocado, Louis precisava ter a sua liberdade de volta.

Certa vez, a convite de Hanna, levou sua nova namorada para beberem umas cervejas em sua casa. Ela começou a criticar a jovem, falou desde a roupa, idade, trabalho... Aquilo foi a gota d'água e Louis decidiu sair de casa, mas ao mesmo tempo que ele queria se afastar, também queria estar por perto pois se sentia culpado em ver aquela mulher tão imperiosa do passado se tornar uma pessoa desequilibrada de então. 

No sábado pela manhã, a poucos metros de sua casa, Louis sofre um acidente de carro e fica internado, em um hospital na cidade, por algumas semanas. Com fortes dores nas costas,  um problema no ombro direito e sem conseguir andar ereto, ele não sabia mais o que fazer ou a quem procurar pois já havia trocado de fisioterapeuta duas vezes. Uma prima foi visitá-lo e sugeriu sessões de massagem terapêutica, ela conhecia uma jovem que possuía um excelente currículo, elas se conheceram durante as aulas de teatro e tornaram-se boas amigas.

Louis culpava Hanna por sua atual condição, pois foi ela que insistiu para ele trocar de carro e após uma grande discussão, ele saiu desgovernado pela estrada e perdeu o controle do veículo numa curva. O acidente aconteceu a poucos metros de onde eles moravam.

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