Você é Sol ou Lua?

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-  Olá Ildy! Quando ela vai nascer?

- Já marquei uma cesariana para 9 de dezembro!

- Que bom! Então vou te visitar em breve...

No início da madrugada do dia 07, as dores, muitas dores ...

- Não vou aguentar!

- Calma! Estamos quase chegando.

- Minha esposa está em trabalho de parto.

O choro. O fim das dores. 

- É uma menina. Disse o médico.

Ildy havia perdido um bebê antes de engravidar de Amira e quando descobriu sua nova gravidez acreditava que o bebê era o seu filho menino que morreu ao nascer pre-maturo. Ao saber que esperava uma menina não ficou feliz com a gestação e a rejeitou desde o ventre. Naquela época não havia muitos profissionais para tratar de depressão pós-parto ou traumas deste tipo. Amira cresceu cheia de traumas e introspectiva.  Mas sempre foi aquela amigona de todos na escola e conserva algumas amizades de infância até depois de adulta. Longe dos pais era alegre e simpática. Ela só falou sobre os seus sentimentos depois que se tornou adulta. 

Na adolescência era uma menina rebelde, gostava de rock pesado e sonhava em fazer uma tatuagem. Muito estudiosa e inteligente, fazia planos de viajar pelo mundo.  Enquanto suas amigas perdiam o sono pensando em como seria a sua festa de 15 anos, a jovem pensava em escalar montanhas, conhecer as pirâmides do Egito, nadar no Mar Morto.... Parecia a Lua e suas fases, mas brilhante como um Sol.

- Casar? Não penso sobre isso. Respondia Amira sem nenhuma cerimônia a quem quer perguntasse.

- Menina namoradeira, dizia sua avó materna.

Em março de 2000, Amira casou, com vestido branco e teve até bolo e festa. Tempo depois nasceu seu primeiro e único filho, Mathis. Um ano após o nascimento do bebê, o casamento entrou em crise.  As constantes viagens a trabalho de seu marido e os longos períodos que passavam separados não foram o motivo da separação, mas fizeram parte do conjunto de fatores que contribuíram para o fim do seu matrimônio. 

- É melhor assim. Sem amor, sem sofrimento. Essa era a frase que a mãe de Mathis respondia para as pessoas que insistiam em saber o motivo de sua separação.

O assédio a jovem mãe, agora divorciada era constante e constrangedor. Essa foi a pior fase de sua vida. Me confidenciou, certa vez.

O tempo passou e as coisas estavam um pouco mais tranquilas. Amira continuava com sua mania de conversar consigo mesma em frente ao espelho do banheiro.

- Não sou apenas essa pessoa refletida no espelho. 

- Não sou apenas uma forma de vestir, ou as palavras que proferem às outras pessoas. 

- Eu sei quem eu sou, sei o que já superei e tenho orgulho por cada passo do caminho.

Karen, sua irmã, mais nova, tinha um temperamento oposto ao de Amira. Ela era explosiva e muito racional. Karen costumava dizer que sua irmã mais velha vivia de utopia.

- Karen, as vezes, quem julga o meu caminho busca justificar a sua própria vida diminuindo as minhas escolhas. Ninguém tem o direito de censurar as minhas atitudes, porque apenas eu sei o que motiva as minhas ações. Pessoas acostumadas a julgar nosso caminho não têm uma vida autêntica,  com sonhos,  paixões, amores e afetos que as ajudem a relativizar seus desejos e abandonar o hábito de focar tanto na vida dos outros. 

- Amira, pare de utopia! A vida é dura. Não sei como você consegue ser assim, depois de passar por tanta frustração e decepção. Rebatia Karen.

- As frustrações serviram-me de aprendizado. Hoje procuro ver luz em tudo ao meu redor. Ainda estou no meio do percurso e sei que é longo e com algumas pedras. Eu tento não revidar as ofensas e calúnias com comentários hostis, prejudiciais e vingativos. Sei que quando demonstramos desprezo ou raiva, é mais difícil superar os sentimentos negativos e eles farão ainda mais dano. Busco ter um olhar piedoso, com fé e esperança, acreditando, sem desconfiar. Porque o bem existe sim, basta a gente acreditar.

Amira era sonhadora, adorava ler e escrevia textos muito bem. Ela costumava dizer que  a nossa vida era como um livro, uma peça de teatro, uma novela. E nós éramos o personagem principal. Cada dia escrevemos uma nova história, um novo capítulo. Nós somos os responsáveis por tudo que passamos, porque cada pensamento que temos está criando o nosso futuro. Amira gostava de viver o aqui e agora. Um dia de cada vez.  Quando estava na praia, costumava sentar na areia no finalzinho da tarde para ver o por do sol. Para ela ser feliz era uma escolha, um caminho e a felicidade estava nesse percurso. 

Quando comecei a me amar de verdade, aprendi que as pessoas mais bonitas são as felizes. Amira

Ser feliz, era apenas isso que Amira buscava: FELICIDADE! Poder sorrir com a alma, por ter paz de espírito, que mau há nisso? Ingênua,  infantilizada, ou falsa e mentirosa, ela dividia opiniões porque a maldade impregnada nos corações das pessoas está tão gritante que ser feliz na simplicidade e buscar a harmonia com o universo nos torna uma pessoa lunática nesse mundo de terráquios. Uma colecionadora de amigos! Eu acredito, sinceramente, assim como Amira que a vida nos abastece com tudo aquilo que necessitamos, mas a vida também nos trata como nós nos tratamos. 

Eu me sinto infinito neste universo tão imenso e bonito

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Eu me sinto infinito neste universo tão imenso e bonito. Eu não sei quando será o fim, mas enquanto esse inevitável dia não chega, vivo de recomeços. Descobri um lugar dentro de mim onde tudo é quietude e costumo mergulhar nesse espaço de silêncio e ficar quietinha. Me alimento da coragem para ser quem sou e não me preocupo com o que os outros pensam de mim. Quando me olho no espelho, vejo uma beleza imensurável em ser quem eu sou: As vezes Sol, as vezes Lua. Não importa o que eu esteja vivendo nesse momento, eu sei que estou pronta para isso. Eu confio em mim.

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