A Paisagem

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"Com essa mania de me diminuir para caber no mundo do outro, transformei -me em pequenos pedaços espalhados numa história onde eu não era a protagonista - a mocinha que mesmo sofrendo a trama inteira tinha um  final feliz ou a vilã com seus encantos e momentos de glória  - Eu estava longe de ser um dos personagens centrais da minha própria história."  

Amira estava muito abalada com tudo que lhe aconteceu. E, enquanto tentava encaixar as peças do "quebra-cabeças" que se tornou o seu relacionamento com Louis, preferiu o silêncio. Parecia uma ostra ferida, fechada tentando produzir a sua pérola. As ostras transformam as suas dores em algo belo e valioso, mas Amira naquele momento só sentia a dor.

Uma ostra que não foi ferida, de algum modo, produz pérolas, pois a pérola é uma ferida cicatrizada.

Louis passou algumas horas deitado no quarto. Quando levantou, seu semblante antes arrogante e prepotente, deu lugar a preocupação. Amira tomou uma ducha, lavou os cabelos e entrou no quarto. Louis retornou ao único quarto da casa, sentou na cama, parecia desolado. Acho que ele pensou em pedir desculpas, mas muito orgulhoso não deu uma palavra. Ela gentilmente pediu que ele a ajudasse na arrumação da mala. Ele sugeriu que fizessem aquilo depois. 

- Louis, você pode abrir a minha mala, por favor?

- Por quê fazer isso agora? Deixe para amanhã pela manhã.

- Amanhã? Não. Tenho que estar no aeroporto no início da tarde. Não foi você quem disse que minhas férias estavam acabando e que eu teria que ir embora? Pois...

E completou:

- Eu quero ir embora e esquecer tudo isso que vivi aqui. É só isso que eu quero.

Ele pediu para irem a um restaurante, como um jantar de despedida. Ela aceitou.

Entre uma roupa e outra colocada na mala, Amira permanecia firme e serena. Ao contrário de Louis, que a medida em que a mala estava enchendo foi ficando cada vez mais assustado. Ele levantou-se da cama e foi para a varanda em silêncio.

Mala pronta no canto do quarto. Amira trocou de roupa e foi até Louis. 

- Vamos jantar?

A noite estava fresca, uma brisa passava por seus corpos, como se quisesse esfriar os ânimos dos dois. 

- O que você quer comer, querida?

Sem muita vontade de conversar com o seu algoz, respondeu:

- Frutos do mar.

Eles comeram. A noite estava agradável. Louis a convidou para fazerem um passeio a pé pelas ruas da cidade onde estavam. Ele conhecia cada beco daquele lugar. Amira exitou, mas acabou concordando. Encontraram uma feira de artesanato e um grupo musical cantando no coreto da praça, permaneceram ali por um tempo, escultando algumas músicas. Louis continuava a desviar o olhar. Eram dois estranhos.

De volta a casa, Amira sentou na cama e tentava entender por quê a relação dos dois acabara daquele jeito. Onde foi parar o amor sentido entre eles durante sete meses? Ela começou a lembrar de alguns acontecimentos, como quando sua taça de vinho quebrou enquanto lavava a louça do seu primeiro jantar com Louis; a lâmpada do banheiro que queimou quando ela estava tomando banho e Louis até se espantou porque a três anos morava naquela casa e nunca havia queimado uma lâmpada. O sonho com os tubarões; a mudança repentina de personalidade de Louis; a forma doentia de seu relacionamento com Hanna. A massagista que Louis dizia ser apenas amiga, mas que não conseguia disfarçar o interesse sexual por trás da suposta amizade. As pedras desse grande quebra-cabeças não se encaixavam. 

Atordoada em seus pensamentos, escultou a voz de Louis chamando por ela. Respirou fundo e foi ao seu encontro. Louis fumando um cigarro, abanou a fumaça para não incomodá-la.  Ela fumava todos os dias e Amira apesar de não gostar de cigarro não impôs o fim desse hábito como condição para permanecerem juntos. Ela sentou ao seu lado.

- O que você quer?

- Não vá embora! Falou em prantos o seu Colibri.

Naquele instante, tudo ficou ainda mais confuso. O Louis do início, aquele das mensagens românticas, apaixonado estava ali ao seu lado, chorando como uma criança quando sente saudades da mãe. Quase infantil.

- Eu tenho que ir Louis. Preciso retornar ao trabalho. Eu tenho o meu filho...

As lágrimas de Louis causaram tristeza em seu coração, mas ela sabia que havia algo de errado com ele. Por trás daquela aparente fragilidade se escondia um homem frio e confuso em seus sentimentos. Ele foi "casado" seis vezes e em todas, culpou as suas ex-companheiras pelo fim da relação. Amira nunca se convenceu dos argumentos apresentados por ele. E depois de quase quinze dias de convivência diária, não queria se tornar a sétima ex-companheira dele. Naquela noite, Louis fez de tudo para agradá-la. Mas, a única coisa que alegraria o seu coração seria entrar dentro do avião.

Antes de dormir, conversaram um pouco sobre a possibilidade de reatarem a relação. Ela demonstrou simpatia e desde que ele fizesse terapia e comprometeu em substituir o ponto final por um vírgula.

Aquela foi a noite mais longa de sua vida. Ela estava com medo de perder o voo. Louis e suas várias personalidades a deixava confusa... A noite só estendia toda a angústia sentida durante o dia.

Louis acordou primeiro, Amira adormeceu com o dia já amanhecendo. Ela sabia que a noite não havia sido nada agradável a ambos porque viu Louis levantar e sair do quarto várias vezes. Que noite de despedida péssima para um casal que meses atrás trocavam juras de amor eterno. O presente não foi nenhum pouco bondoso com eles.

Após uma noite como aquela, a irritação estava a menos de um fio de cabelo de distância dos dois. Amira até quis conversar, mas Louis voltara a ser arrogante e grosseiro. Será que ele tinha algum "encosto"? Pensava ela. Porque de uma coisa ela tinha plena convicção: O universo estava dando sinais desde o aeroporto no primeiro dia quando ela chegou. Mas, se não era para ficarem juntos, por quê se encontraram? 

Se a relação entre ele e a Avril era de amizade e os dois se conheceram meses antes de Amira entrar em sua vida. Então, por quê justamente agora ele e Avril ficariam juntos? Nada fazia sentido.

Quando duas almas nascem para estarem juntas, não importa o tempo passado ou outras almas... Elas ficarão juntas.  

Louis e Amira escolheram a flor de amendoeira para representar o amor dos dois. Por ser bela e florescer enquanto as outras flores continuam escondidas com medo do frio no final do inverno. A flor que nasce em par, de uma árvore com raízes fortes. A amendoeira é corajosa, por mais frio que o inverno seja, ela se enche de coragem e o enfrenta para cumprir a sua missão na terra. Encantar os olhos com flores tão delicadas e belas. Linda e corajosa, assim como o amor. Diz a lenda que a flor de amendoeira representa o verdadeiro amor.

Um beijo de despedida. O avião subindo toca as nuvens. A distância torna-se cada vez mais distante. Um oceano voltou a separar Amira e Louis.

Não se diminua para caber no mundo do outro, você não é a Alice, de Lewis Carroll.

DezoitoOnde histórias criam vida. Descubra agora