O SEQUESTRO

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- Cale a boca – gritou Thorn, o mais jovem dos saqueadores – ou será forçada de um jeito que não irá gostar! – Christine pareceu entender o que lhe ameaçava, e prontamente cessou o choro. – Se continuar assim, pedirei ao chefe que de um jeito em você!
    Estavam alojados em uma casa de madeira, um pouco longe da cidade. A vila era desconhecida, e era citada em poucos mapas daquela região. O quarto onde Christine estava alojada era confortável, com um berço todo revestido em ouro e prata, e uma pequena melodia ecoava de um dos brinquedos localizados no berço. Christine, apesar dos gritos que sofria dos guardas, parecia sentir que não seria machucada de forma alguma, e desta forma, com o tempo adquiriu uma expressão tranquila e serena, e acabou por dormir tranquilamente.
    A pequena garota se viu sendo levada por um grupo de pessoas vestidas de branco, cada uma com uma corrente de prata envolta do pescoço. Entalhada nas correntes como pingentes, pequenas pedras, de materiais variados, cada uma em cor e forma diferentes, como que para representar algo. Christine descobriu que podia falar, e perguntou a um dos misteriosos homens onde estavam indo, ao que um deles lhe respondeu – Vamos para onde você desejar, e lhe daremos tudo o que seu coração ansiar – sorriu e não disse mais nada, e Christine sentiu um brilho doce em seu coração.
    Ao fim da viagem, a menina viu, ou pensou ter visto, diversas crianças brincando ao redor de um lago cristalino. Do centro do lago, ao fundo, parecia emanar uma luz pálida e aquecida, que lhe alegrou o coração. De repente, tudo começou a passar de azul para vermelho, e as crianças não mais brincavam ou gritavam de alegria: estavam agora chorando, agonizando, e todo o lago sendo lambido por chamas cruéis. Christine então chorou, e seu choro a trouxe de volta à realidade, e ao fim do sonho estranho que lhe ocorrera, do qual não voltou a se lembrar.

Pela manhã, Ross invadiu o quarto onde Thorn ficou encarregado de cuidar da garota. – Esconda a garota, esconda a garota! – gritou ele. Sem entender, Thorn levou Christine a um sótão, cuja porta, localizada no assoalho do quarto com o berço, tinha a mesma aparência do piso, de forma que não poderia ser encontrado a menos que boas equipes de investigação se dedicassem fortemente ao caso. Tarde demais, mas desta vez para Thorn. Os investigadores chegaram ao local junto aos guardas da primeira ronda, e detiveram os dois capangas antes que pudessem se alojar e fechar a porta do sótão. Christine fora encontrada, e a dor da família logo se transformou na mais intensa das alegrias, jamais sentida desde o nascimento da garota. Preparativos para uma festa de comemoração do renascimento de Christine foram arranjados assim que Brock recebeu o telefonema dos companheiros, informando sobre a vitória da missão, e deu a notícia à família. Mas uma coisa ainda preocupava a família: o que havia ocorrido com o sistema de segurança da casa?
    Os guardas vasculharam o local, mas o chefe e o terceiro capanga não estavam lá. Isso foi deixado de lado por hora, e à festa de comemoração, foram convidados Brock e seus homens, e foram homenageados como heróis. A tarde logo se acabou, dando espaço a estrelas brilhantes, como se o céu tivesse ficado feliz com a ocasião. Era dia 25 de Agosto, e esta data foi comemorada por todos os anos que se seguiram.

Sete anos se passaram, e mais um dia amanheceu em lágrimas. Os preparativos para a comemoração do oitavo aniversário de Christine estavam sendo arranjados, quando um grito curto e rouco foi ouvido do lado de fora: era Melanie, que acabara de falecer. Nenhuma doença lhe acometeu, mas já vivera dezesseis anos, um período longo e incomum para um cão.
    Christine chorou, e desde então, não mais comemorou sua data de aniversário, 13 de Dezembro, e passou a festejar apenas a data de sua vitória contra os saqueadores, a poucos anos atrás, quando ainda era apenas um bebê. A festa daquele ano ocorreu, com demasiada alegria aos convidados, mas a pequena aniversariante não estava alegre como de costume, e isso foi notado por grande parte dos convidados.
    Na noite que se seguiu, Christine teve um sonho inquieto, do qual acordou suando e com a pele fria, embora nunca tenha se lembrado do sonho. Acordou pela madrugada e não mais conseguiu dormir. De repente, imaginou ter visto uma sombra em sua janela, atrás da cortina. Em resposta, tentou gritar, mas sua garganta não respondeu ao comando. Sussurros em seus ouvidos impediram-na de dormir, e por volta da sexta hora do dia, levantou e bateu na porta do quarto dos pais.
    - Estou com medo – disse ela.
    - O que houve, filha? – Perguntou Christopher.
    - Tinha alguém atrás da cortina, no meu quarto, que não me deixou dormir – respondeu Christine com uma expressão exausta pouco disfarçada pela serenidade de seu rosto e o brilho de seus marcantes olhos azuis.
    O pai levantou-se e foi ao quarto. Minutos depois voltou e disse que não havia encontrado ninguém no quarto. Deitou a filha em sua cama, no meio dos dois, e acariciou sua face até que a menina cochilou e mergulhou em um sono profundo, que durou até a segunda hora após o meio dia. Ao acordarem pela manhã, por volta das oito horas, o casal fitou o rosto da filha, que agora parecia expressar um leve (quase imperceptível) sorriso.

Os anos que se seguiram trouxeram enorme alegria à família, pois Christine estava estudando na melhor escola da região, também patrocinada pela família, constituída de professores doutores em seu corpo docente. Muito inteligente e dedicada, a garota cursou todos os anos letivos, sempre alimentando o sonho de ser jornalista e fotógrafa. Tinha uma enorme curiosidade e interesse por psiquiatria, e desejava empreender uma revista com matérias e imagens feitas em hospitais psiquiátricos e instituições relacionadas.
    Na exata data de seu décimo oitavo aniversário, para amenizar a tristeza da lembrança de sua cachorrinha Melanie, a estudante colaria grau em sua escola, e receberia o merecidíssimo diploma. Já havia passado e se matriculado na universidade local, onde cursaria Jornalismo. Optou por esse estudo, pois passou toda sua adolescência atolada em livros sobre psiquiatria e problemas relacionados, sempre atenta a diferentes e curiosos casos, que com certeza fariam parte das edições de sua futura revista.
    A festa foi divertida e durou quase toda a noite. No baile, um misterioso rapaz chamou Christine para valsar. Era loiro, com os cabelos cortados na altura do ombro. Seus olhos eram negros e profundos, e tinha o toque suave em seus braços. Os passos eram perfeitos, e a recém formada Christine se sentiu como se estivesse no paraíso, sobre uma nuvem, voando nas asas de um sonho. Mesmo em um salão fechado, sentiu uma leve brisa em seu rosto, levantando seus longos cabelos e lhe trazendo o aroma de rosas e cravos. A noite se acabou, mas ficou na memória da estudante pelo resto de sua vida, assombrando-lhe os sonhos por muitas noites.

Na noite seguinte, Christine, ainda fora da realidade com as lembranças do jovem rapaz, procurou Laura, sua melhor amiga desde a infância, para saber pistas sobre o rapaz, pois com o calor da noite, acabara por esquecer de perguntar-lhe o nome, e de onde vinha. Mas sua alegria logo se tornou um total embaraço psicológico quando ouviu o que a amiga tinha a dizer: apesar da escola ser a melhor e de maior poder representativo da região, seu único defeito era não festejar a formatura dos estudantes, como vemos nas tradicionais escolas.
    - Não houve festa? Mas... – questionou Christine pensativa e intrigada, como que para ter certeza de que seus ouvidos não lhe tinham traído.
    - Festa nenhuma – afirmou Laura -, e após a rápida refeição, viemos todos embora. Lembro de ter-lhe visto entrando no carro de seus pais. Acenei-lhe com a mão, mas você não me viu, ou estava distraída demais.
    Christine apenas deu as costas e foi embora sem dizer qualquer palavra. Esse era o maior dos desafios que jamais pensou encontrar em toda sua carreira: logo no início, desafiada a entender e relatar seu próprio caso. No entanto, sempre que se sentia apreensiva ao ter que lidar com seus pensamentos sobre o problema, direcionava sua mente ao jovem rapaz, sem nome, sem lugar, sem rumo, apenas aventurando-se por sua memória, e destruindo seu coração. Um rosto que nunca deixou de refletir nos belos olhos de safira.
    Por algumas vezes, a linda senhorita Wishes vagava pela noite, sempre olhando aos pontos de encontro e lugares mais frequentados da cidade, esperando de alguma forma rever o rapaz. Estaria ela sonhando? Afinal de contas, não se lembra da viagem pra casa, e julgou que poderia ter dormido e sonhado. Ou será que se tratava de uma imagem criada em sua mente? E por que isso teve tanto efeito sobre seu coração? Perguntas que jamais seriam respondidas em palavras.

Safira - Quando a Magia e a Morte se UnemOnde histórias criam vida. Descubra agora