O QUE FOI PERDIDO

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Como se todos os presentes que Christine ganhara não bastasse, a família ofereceu-lhe uma viagem de férias para a cidade Supernova. Era uma cidade noturna, onde dormir era apenas algo distante nos planos das pessoas. Na verdade, a cidade não tinha moradores, pois era lotada de bailes e clubes, casas noturnas, casas de jogos, bares, botecos, botequins e diversos hotéis, alguns mais luxuoso e outros mais simples. Na verdade, tudo na cidade era acessível para visitantes de diversas classes sociais, de modo que sempre fora bastante povoada em temporadas de férias e finais de semana prolongados.
    Christine sempre teve um grande desejo de visitar a cidade, mas nunca pôde. Na verdade, como vocês já sabem, dinheiro não era o problema: a família estava planejando essa viagem desde que ela era apenas uma garotinha, e a viagem viria quando ela estivesse prestes a iniciar sua carreira. A hora finalmente chegara, e numa manhã de sexta-feira, Christopher estava tirando o carro da garagem para pegarem a estrada. Supernova aguardava agora a chegada de Christine.

    Finalmente deixaram Heathon para trás, e uma estrada repleta de fazendas, florestas, lagos e outras maravilhosas paisagens vibraram à passagem da família, que alegremente iriam passar as férias mais alucinantes de suas vidas, mesmo sem saber disso.
    Em um dado momento, Christopher teve uma baixa em seus ânimos: os céus estavam ficando cada vez mais escuros, e as nuvens deslizavam rapidamente no céu em um prenúncio de tempestade.
    - Nossa viagem começou bem – resmungou ele.
    - O senhor disse que ela seria cheia de surpresas. Pois é, não estava errado – ironizou Christine, com igual desânimo.
    - Acho melhor localizarmos um posto para pararmos – sugeriu Linda – há um posto a dois quilómetros daqui, se eu bem me lembro, e se ainda não foi desativado. Será ótimo para que possamos descansar e comer um pouco.
    A notícia sobre a existência do posto animou o marido e a filha, e com cuidado, Christopher acelerou o carro. Com o céu escuro como naquele dia, mal podiam sugerir as horas, a não ser pelo que diziam os celulares, uma vez que até mesmo o sinal de rádio estava bloqueado.
    Pouco mais à frente, um alívio: uma placa indicava que o posto estava se aproximando. Através do vidro embaçado pela constante chuva, viram então o pequeno desvio na estrada, que levava para o posto. Não conseguiam enxergar direito, mas pela lembrança que Linda tinha de sua viagem, há duas décadas, o desvio permanecia o mesmo, e ao que tudo indicava, o posto estava logo ali à frente deles.
    Pararam o carro no estacionamento, e se dirigiram à loja de conveniência para abastecerem os estômagos, e logo depararam-se com a segunda surpresa da noite: nada havia no lugar, além de algumas prateleiras vazias e restos de alimentos há muito deixados ali. Era assombroso, mas de qualquer forma não parecia abandonado aos ratos. Mas quem vivia ali? O que o posto havia se tornado?
    De qualquer forma, a chuva forte caia, tornando a viagem impossível de acontecer. Restava-lhes apenas aguardar sobre aquele abrigo (se é que podiam chama-lo assim), para prosseguirem viagem assim que a chuva cessasse. Um súbito sono se abateu sobre eles, e logo começaram a vasculhar o lugar atrás de algum assoalho confortável para descansarem. Por fim, encontraram algumas poltronas velhas, três para ser mais exato, nas quais descansaram toda aquela tarde. O barulho da chuva foi suficiente para que caíssem em um sono profundo, no qual mergulharam desde a quarta hora após o nascer do Sol.

    As nuvens cinzentas ainda não haviam se dispersado, mas a chuva já estava caindo fraca quando finalmente acordaram. Uma olhada no celular deu a eles a terceira surpresa da viagem: era meia noite, e haviam dormido por catorze horas. Isso nunca acontecera com nenhum deles, o que plantou o forte sentimento de estranheza no coração da família.
    A estrada estava silenciosa, e o lugar ainda mais, a não ser pelo barulhento ronco de seus estômagos, indicando que não haviam comido desde o apressado café da manhã, minutos antes de tomarem seu rumo à cidade maravilhosa. Vasculharam o lugar, mas tudo o que puderam encontrar eram restos de comida, que pareciam estar descansando ali desde a desativação do posto. O cheiro da comida era desagradável, de modo que lhes embrulhou o estômago, e os impulsionou a lançar tudo pela janela.
    - Fiquem aqui, vou dar uma olhada mais à frente para localizar algum estabelecimento onde possamos comer – disse Christopher.
    - É tarde, Pai – preocupou-se Christine – não trouxemos nada de casa para comer?
    - Não trouxemos – respondeu o pai, decepcionado com sua memória – mas essa estrada é famosa, deve haver algo por perto. Esperem por aqui.
    Assim, a esposa e a filha continuaram a descansar nas poltronas, imaginando como puderam ter caído naquele sono estranho e não programado. De alguma forma, apesar da fome, sentiam-se descansadas e com ânimos para mais uma parte da viagem.
    - Fico imaginando de onde esta joia foi extraída, e por qual motivo foi deixada ao lado de meu berço por aqueles ladrões – começou Christine, embarcando em uma conversa que mataria todas as suas curiosidades. Na realidade, tentava tirar algo a mais da mãe, pois julgava que Linda a estava escondendo alguma coisa.
    - Apenas coincidência, julgo eu – disse Linda, paciente. Na verdade não havia escondido nada, de modo que toda a estratégia que Christine planejou fora infundada. – De qualquer forma, espero mesmo que ela nos traga sorte nesta etapa da viagem – disse Linda com esperança.
    Continuaram a conversar por um tempo considerável, discutindo sobre toda a vida e planos de Christine. Linda contava histórias de sua juventude, de seu namoro e casamento com Christopher, e todas pareciam interessar bastante à filha. Esta, por sua vez, contou sobre seus planos com Ben, e revelou sobre o sonho estranho que tinha com o homem desconhecido que tocara seu coração, e a mãe ouviu tudo o que ela tinha a dizer.
    Um tempo depois, ouviram os passos de Christopher, que retornava trazendo consigo um grande pacote.
    - Encontrei uma lanchonete não muito longe daqui. Fica meio afastada da beira da estrada, e jamais a encontraríamos com aquela chuva, ou com este céu coberto de nuvens, caso estivéssemos de carro – contou o chefe da família, enquanto desempacotava os sanduiches que havia trazido, e uma garrafa de refrigerante.
    Comeram e embarcaram em uma longa conversa, durante a qual a lembrança do empecilho na viagem tornava-se apenas uma cena distante. Minutos se passaram, e após a breve refeição, sentiam que as pálpebras os estavam pesando. Lutaram contra a sonolência, mas não por muito tempo: uma tontura os acometeu, e por mais algumas horas a família dormiu.

Safira - Quando a Magia e a Morte se UnemOnde histórias criam vida. Descubra agora