ENTRE O SONHO E A REALIDADE

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À décima terceira hora do dia seguinte, o almoço estava sendo servido a todos os convidados que ainda conseguiam se manter de pé. Christine acordou neste exato momento com o barulho das crianças no salão. Ainda sem compreender o acontecido de seus primeiros meses de vida, sentia-se eufórica e vitoriosa de alguma forma.
- Bom dia, olhos de Safira! - exclamou Tio Wilson - junte-se a nós, e nos conte sobre seus planos para o próximo ano! A tarde será longa, teremos o dia todo para discursos! - completou.
Christine então se sentou na cadeira preparada pra ela, e começou a contar sobre sua organização do futuro, faculdades e cursos, e seu principal objetivo nas matérias de sua revista, a qual nomeara precocemente Mental Coil. Surpreso, Tio Wilson, doutor na medicina psiquiátrica, ofereceu-lhe toda a ajuda de que poderia dispor, incluindo livros, fotos, artigos de outros autores e casos especiais tratados por ele mesmo. A estudante lhe agradeceu com enorme satisfação, sentindo ainda mais a obrigação de orgulhar a família.

Mais à tarde, a festa acabou. Diversas e longas despedidas ocorreram, pois todos os familiares tinham tarefas a cumprir em suas respectivas cidades, e as reuniões familiares estavam ficando cada vez mais raras. Naquele ano, não seria comemorado o final e a vinda de um novo ano. Na verdade, uma pequena festa ocorreu apenas para Linda, Christine e Christopher.
Na primeira noite do novo ano, Christine sonhou. Em seu sonho, via-se em tempos medievais, em um vestido longo cor de gelo, com ornamentos de safiras entalhadas em belos suportes de prata, e seu pingente de cristal pendendo em sua corrente polida. Ao seu lado, estava o jovem com que se viu dançando naquela grande festa que ocorrera apenas em sua mente, mas estava vestido em trajes de príncipe. Suas mãos cruzaram, e Christine sentiu que as mãos eram quentes e confortantes. Minutos depois, as mãos do jovem começaram a esfriar, e todas as luzes se apagaram. Um belo rei surgiu à frente, forte e altivo, com expressão poderosa, mas que com o tempo queimou em chamas, tomando a aparência de uma enorme caveira, terrível e sem alma. Com o susto, Christine voltou à realidade, abrindo bem os olhos. Sua mão direita segurava fortemente o cristal em seu pescoço (ela tirava a corrente apenas para tomar banho).
Recuperando-se do susto, dormiu um sono tranquilo, e mais nenhum sonho lhe ocorrera naquela noite. Ao descer para o almoço, teve uma excitante surpresa: sentado à mesa com a família, estava um jovem rapaz, de cabelos curtos escuros, bem vestido e de enorme finesa. Era Ben.
Ben havia sido namorado de Christine nos tempos de sua adolescência. Infelizmente, a família de Ben teve que se mudar para outro estado, e seu relacionamento ficou inacabado. Naquele ano, Ben e sua família voltou para Heaton para que o jovem pudesse iniciar seu curso de graduação em Biologia. O rapaz era fissurado por plantas e animais, e a citologia lhe atraia grandemente, de modo que não enxergava para si nenhum futuro diferente.
Christine sentiu uma forte emoção, e seu coração, disparado, parecia que a qualquer momento lhe sairia pela boca. Não conseguiu dizer qualquer palavra, nem dar nenhum passo à frente, até que Linda lhe chamou para juntar-se a eles na mesa. A família conhecia bem o futuro biólogo, e desde a época que a filha o conheceu, desejou-lhes felicidades, e que Ben desposasse a garota em um tempo que viria. Esse também era o desejo de Christine, mas que ficou adormecido com o passar dos anos. Desde que eles tinham dezesseis anos e tiveram que se separar por questões particulares do destino, ela manteve o sentimento oculto, e não mais se interessou ou procurou se interessar por qualquer outro rapaz, como se guardasse seu coração para o dono, que o deixou aquecido e protegido, sob a promessa de retornar e fazer toda a felicidade do mundo acontecer. Naquele momento, Christine percebeu que Ben havia retornado para buscar o que é seu.
A garota desceu e se juntou a eles na mesa, e Ben pôde ver a beleza de seus olhos azuis, e mais uma vez desejou tê-la nos braços. Após terem comido, o rapaz chamou a antiga (ou seria futura?) namorada para sair. Christine hesitou, mas acabou aceitando, não mais relutando ao desejo que seu coração lhe impunha naquele momento.

A tarde daquele dia foi fantástica. O casal passeou pelo parque central da cidade, tomaram sorvete, e por fim, Ben deu a ela o quarto maior presente que ganhara naquele final de ano: um ingresso de visita ao museu PEM (Museu de Exposição Psiquiátrica). Durante a visita ao museu, notaram que poucas peças eram exibidas. Dentre elas, grandes estátuas de grandes doutores da medicina psiquiátrica da região e do mundo todo, com suas biografias entalhadas em placas de cobre, logo abaixo do suporte de cada estátua.
O que mais despertou interesse na estudante, foi um pequeno acervo de livros com imagens e documentários ilustrados sobre casos curiosos da medicina psiquiátrica. Ben e Christine ficaram quase toda a tarde nos estudos e leituras (embora Ben não dissesse ou expressasse, um tremendo tédio o acompanhava enquanto fazia companhia à garota), e quase na hora do por-do-sol, foram interrompidos por um dos guardas, que informava ser o momento de fechar o museu.
Após mais uma rodada de sorvete e um belo romance no cinema, o rapaz chamou Christine para jantar. Foram até o restaurante de maior referencial e renome da cidade, e lá, secretamente, Ben pediu aos músicos que tocasse a música favorita de Christine desde o colegial. O som das primeiras notas foi acompanhado de lágrimas de emoção, que escorriam intensificando ainda mais o brilho dos belos olhos azuis da estudante.
Ao final da música, Ben tomou o microfone do cantor, e pediu licença para pronunciar algumas palavras à Christine, no meio de toda a multidão de clientes.
- Boa noite - começou ele - em primeiro lugar, desejo um ótimo jantar a todos que aqui se encontram, seja por motivos especiais ou casuais. - Um coro de obrigados e vivas surgiu e silenciou em poucos instantes. Ben continuou - Gostaria de agradecer a companhia da mais bela garota que jamais existiu. Ali está ela. Levante-se, bela Christine.
A garota se levantou, mal conseguindo conter a expressão emocionada e vergonhosa, que a deixava ainda mais bela com sua face rosada. Aparentemente, estavam todos alegres e ansiosos dentro do restaurante, salvo alguns rapazes de aparência estranha, que sentavam em uma mesa ao fundo, próximo aos sanitários. Alguns dos mais ilustres representantes da sociedade olharam-nos com uma expressão de reprovação por sua deselegância, pois os rapazes continuavam a beber e usar um tom elevado de voz, inadequado ao ambiente. Ben chamou a atenção de todos a si, e continuou:
- Desde meus tempos de colégio, esta garota tem sido a menina de meus olhos. Razão de meu sorriso e a causa de todas as minhas lágrimas. Desde que o destino temporariamente nos separou, os mais belos olhos do mundo têm assombrado meus sonhos, fazendo-me acreditar que a vida nada teria de belo sem que meus olhos pudessem vê-los. Ali está ela, a garota cuja beleza envergonha até mesmo o brilho da pálida lua.
- Novamente retorno a Heaton, para buscar a joia da qual meu coração jamais se desapegou ou desapegará. E a alegria dessa conquista, desejo compartilhar com todos aqui presentes. - Então olhou nos olhos de Christine e finalmente a pergunta saiu por seus lábios: - Casa-se comigo, Christine Wishes?
A garota não conseguiu responder imediatamente, pois não imaginara que tal proposta lhe fosse proferida antes mesmo de seus estudos. Na verdade, seus planos consistiam em estudar e se formar, e após conseguir estabilidade profissional, casar-se. Porém, não desejava desapontar Ben no meio da multidão, e então respondeu um sonoro Sim, que ecoou em todo o restaurante, e ainda mais no coração de Ben. Porém, desejava convencê-lo de apenas noivarem, e casarem-se apenas de acordo com os planos que fizera.
Beberam ao acontecimento, e uma pequena festa foi organizada por todos os clientes presentes. Ganharam muita comida e bebida dos convidados, e um belo anel de ouro com uma pedra de safira ele colocou no dedo da moça.
Christine sentia algo estranho em seu coração. Sabia que nenhum dos acontecimentos felizes de sua vida deixavam de anteceder uma tragédia, ou pelo menos algum evento ou notícia desagradável, e em seu íntimo sabia que aquela data não seria diferente. Seu coração acelerou, com uma mistura de alegria e pesar, pois as lembranças do belo rapaz de seus sonhos lhe voltavam à mente.
Após todas as comemorações, notaram que tudo havia silenciado: os rapazes estranhos da mesa do canto se calaram, e apenas observavam. O que? E por que?
A emoção do momento fez com que a importância dos rapazes ficasse menor, e beberam mais uma taça de espumante em nome do surgimento de um novo casal. Ao chegarem no caixa para pagar a conta, foram surpreendidos com a notícia de que a conta já havia sido paga.
- Os rapazes que estavam naquela mesa disseram que ficaria por conta deles, então considero a conta quitada - disse o atendente.
O casal olhou à mesa, e os rapazes não estavam mais lá. Felizes, saíram do restaurante e Ben levou Christine até a porta de sua casa. Ao levar a mão direita até a porta do carro para abri-la, a garota foi detida pelo rapaz, que a beijou louca e intensamente. Após alguns (muitos) longos minutos, Christine finalmente saiu do carro e entrou em sua casa, acenando um adeus a Ben, que não deu partida no carro enquanto ela não estava totalmente do lado de dentro, com as portas trancadas.

Naquela noite, Christine teve diversos sonhos inquietos, dos quais não veio a se lembrar depois de acordada. Mas isso ocorreu devido ao conflito de sentimentos que abalava seu coração: alguém com boa família, boa formação, boa conversa, boa companhia, e um ninguém, sem nome, sem casa, sem nada. Mas essa era a realidade. Não poderia pra sempre viver em seus sonhos e por seus sonhos. O casamento com Ben estava programado, e agora só lhe restava estudar e batalhar para que a vida tomasse o melhor rumo possível.

Safira - Quando a Magia e a Morte se UnemOnde histórias criam vida. Descubra agora