Aventura Gelada - Parte I

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Acordei assustada tentando reconhecer o ambiente ao meu redor. Eu e Thaís dormimos em cima dos nossos notebooks depois de escrever por horas a fio. Não sei dizer se a cena havia sido o suficiente para acabar com a nossa maré de azar, mas certamente acabou com a falta de inspiração. Fazia tempo que não escrevíamos tanto.

-Será que estamos com sorte agora? Por que eu devo ter deslocado alguns ossos da costela depois de dormir sentada. – Thaís reclamou.

-Não sei. Nada parece diferente, exceto pelo fato de parecer que um rolo compressor passou por cima de mim.

-Me envia os arquivos que escrevemos no seu notebook. É melhor termos duas cópias, ainda não estou certa de que podemos brincar com a sorte.

Abri o e-mail para enviar os arquivos quando notei um arquivo não esperado na minha caixa de entrada.

-Thaís. Olha sua caixa de entrada.

-Já enviou? – questionou estranhando a rapidez.

-Não. Olha se recebeu o mesmo e-mail que eu.

-Só um minuto. – Ela abriu o notebook para verificar. – Ai meu Deus. É isso mesmo que estou pensando?

-Parece que vamos para a Suíça! – eu não podia conter a empolgação. Já fazia algum tempo que não ganhávamos nenhum prêmio, e não fazíamos viagens internacionais. Eu não conseguia pensar em maneira melhor de voltar a ativa do que indo para a Suíça.

Recebemos um convite para um evento num dos laboratórios de física mais importantes do mundo onde estudantes de todo o mundo poderiam entrar para o time de pesquisadores do CERN após uma pequena competição. Depois de perder todo o dinheiro que conseguimos ganhar nas últimas competições, ganhar essas vagas era uma necessidade. Embarcamos uma semana depois embora não tenha sido tempo o suficiente para Thaís comprar todos os casacos que ela julgava necessário.

-Você bem que podia me ajudar com essas malas. – Thaís reclamou andando com dificuldade por carregar duas malas de rodinha e uma de mão.

-Eu te disse que não precisávamos de tanto. Só vamos ficar uma semana.

-Percebeu que está nevando lá fora? – ela disse apontando para o cenário do lado de fora da janela do hotel.

-Pelo menos aqui dentro tem aquecedor, e eu não pretendo passar muito tempo do lado de fora.

-Droga. – Thaís parou no caminho quando as rodinhas de uma de suas malas travaram. Eu não conseguia parar de rir, e antes mesmo de tentar ajudar ela puxou de uma só vez a mala, tropeçando na outra que estava em sua frente e dando de cara no chão.

-Ai meu Deus Thaís. – me apressei em sua direção ainda sem conseguir parar de rir.

-Eu me levanto sozinha. – disse orgulhosa.

A situação já era constrangedora o suficiente, mas o universo queria mais. Percebi quando uma sombra me cobriu indicando que havia alguém atrás de mim. Queria que fosse algum funcionário do hotel que ficaria feliz em nos ajudar, mas eram apenas os gêmeos mais irritantes da face da Terra.

-Precisam de ajuda? – O Zachary estendeu a mão para Thaís, mas ela acabou de se recompor sozinha, ignorando completamente as mãos delicadas daquele mauricinho nariz em pé.

-Estamos bem, obrigada. – Thaís respondeu.

-Posso ajudar com as malas se quiser. – ela ponderou bem antes de entregar uma das malas. O orgulho não era tão grande assim.

-O que fazem por aqui. – questionei como se não fosse óbvio.

-Acho que o mesmo que vocês. Convidaram os vencedores das últimas cinco edições da ISEF.

-Legal! – sorri por fora, mas eu estava odiando ter que enfrentar eles de novo. Vencer era uma questão de honra. – Então estamos competindo.

-Eu não olharia por esse lado. Nós vamos nos divertir juntos aqui. Vai ser incrível! – Eu odiava o jeito otimista e politicamente correto do Maxwell.

-Com certeza! – Thaís respondeu, mas eu conseguia ver o ódio queimar no fundo do olhar da minha amiga. Precisávamos ganhar a competição.

A ideia era elaborar um plano, mas ainda nem sabíamos sobre o que exatamente seria a competição. Teríamos uma longa noite de sono antes de sermos apresentadas aos demais competidores e descobrir do que se tratava. E foi assim que Thaís dormiu tranquilamente enrolado em seus dois cobertores. Estava mesmo frio naquele quarto, e talvez eu devesse ter trazido algum cobertor. Corri até o aquecedor para aumentar a temperatura, mas eu não entendia absolutamente nada do que eu estava fazendo. Esses aparelhos deveriam ser mais intuitivos. Insatisfeita por não conseguir o que queria chutei o aquecedor fazendo um barulho mais intuitivo do que eu gostaria. Eu quebrei a porcaria do aparelho.

Não demorou para o quarto esfriar ainda mais. Do lado de fora faziam -2°C e mesmo com as janelas completamente fechadas o vendo frio começava a corroer meus ossos. Pelo visto, nem mesmo os dois cobertores de Thaís foram o suficiente, já que o frio fez ela acordar.

-O que aconteceu? Nos colocaram em um congelador?

-Quebrei a porcaria do aquecedor? – confessei indignada.

-Por que você fez isso?

-Por que eu queria morrer congelada. – disse cínica – É claro que foi um acidente.

-Precisamos consertar isso. Já tentou ligar na recepção?

-No meio da madrugada? Além do mais... Não tenho dinheiro para pagar o conserto. Melhor ganharmos a competição primeiro.

-Tem razão. – ela ponderou – O que fazemos agora?

-Dormimos no corredor. Lá o aquecedor ainda funciona. Se dermos sorte ninguém vai nos ver.

-Está falando sério? – me olhou incrédula.

-Prefere virar um picolé? – questionei.

-Tem que haver outra solução. Talvez... – ela pareceu ter tido uma ideia. – Deixa para lá.

-Fala logo. Qualquer coisa é melhor do que virar picolé.

-E se pedíssemos aos gêmeos para dar uma olhada? Eles entendem bastante de eletrônicos.

-Como pode ter uma ideia podre dessas? Eu nunca pediria ajuda aqueles babacas.

-Prefere virar um picolé? – me questionou. Não havia outra solução.

Batemos na porta do quarto ao lado sem a menor cerimônia. Não importava que fossem duas horas da manhã, eu já estava congelando de frio. Levou algum tempo para que houvesse alguma resposta. Observei a maçaneta girando, mas quando a porta finalmente se abriu olhei para Thaís incrédula. Estávamos tendo um dejavú.

***

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