Vinte e um anos depois...
Maria, ao travar o despertador, levantou-se da cama e espreguiçando-se, olhou pela janela de seu quarto para admirar a linda manhã do fim de janeiro.
O céu estava com poucas nuvens que brilhavam formosamente ao sol; os pássaros cantavam em suas diversas melodias, gerando a confusão sonora mais encantadora que já ouvira; o jardim, que ela mesma havia cultivado, se encontrava repleto de flores de inúmeras espécies; e o bosque, que lhe encantava desde menina, se estendia sem inibições pelo horizonte formando um pequeno oceano verde, que escondia em si as maravilhas de uma infância repleta de fantasias. Mas o melhor e mais satisfatório de tudo, era que esse dia, era o dia do seu décimo nono aniversário e ele se iniciava cheio de promessas, expectativas e realizações.
Enfim, Maria conseguira ingressar na faculdade de letras, era seu sonho ser escritora. Passara um ano inteiro juntando dinheiro para poder se manter sozinha e estar vendo os resultados dos seus esforços era muito estimulante. O aspecto mais gratificante disso tudo era que finalmente ela sairia da casa dos tios: Ana e Vicente.
Morava com eles desde os dez anos quando seu pai, Inácio, desaparecera, e sabia que sem os tios ela não teria ido muito longe na vida. Apesar deles nunca esconderem o fato dela ter sido um estorvo, nunca lhe deixaram faltar nada. Mas a perspectiva de ser independente sempre lhe parecera muito atraente, principalmente por não ter mais que se sentir um fardo em suas vidas.
Com um sorriso no rosto, Maria se afastou da janela e se sentou na beirada da cama pegando um porta-retratos com a foto de sua mãe. Sentia saudades dela, mesmo sem a ter conhecido de verdade. Nunca soube o que era ter uma mãe e sabia que a vida teria sido muito mais feliz se houvesse tido uma.
Celina, sua mãe, falecera algumas semanas após seu parto em um quadro grave de depressão, e desde então Maria vivera com o pai. Inácio, apesar de bastante excêntrico e mais alheio ao mundo do que seria prudente a um homem ser, sempre lhe demonstrou afeto e carinho. Era confortável viver com ele, tinham uma rotina cômoda e simples na qual Maria sempre esteve satisfeita.
Sentindo uma angústia que lhe era muito familiar, Maria relembrou o dia que mudou repentinamente sua vida: uma tarde como qualquer outra em que ela voltava da escola. Quando chegou em casa, tudo parecia normal, exceto o fato de Inácio simplesmente não estar lá. Achando estranho, tentou se comunicar com ele sem sucesso, e vendo o tempo passar sem respostas, a angústia ia crescendo cada vez mais.
Entre constantes lágrimas e preces, Maria foi vendo a esperança do retorno do pai desaparecer gradualmente. Ela esperou por três dias na esperança de que ele aparecesse de repente, mas nada aconteceu. Enfim, resolveu pedir ajuda e foi imediatamente entregue aos tios, ficando o desaparecimento permanentemente sem solução.
Os tios nunca pretenderam ter filhos, eram amargurados e viviam resmungando, mas aceitaram cuidar dela mesmo assim. Pensou Maria que essa benevolência incomum da parte deles poderia ter sido motivada pela casa herdada de sua mãe, para a qual eles imediatamente se mudaram ao receberem sua tutela. Ela sempre dizia para si mesma que era melhor estar ali que em um lar para órfãos.
Ela sabia que conseguira sobreviver esses anos todos graças ao seu temperamento tranquilo e introspectivo. Sabia ouvir calada e se permitia a explosões de sentimentos muito raramente. Nunca se firmara uma ligação sentimental entre ela e os tios, por isso ela não deixava que o relacionamento entre eles a atingisse.
O único a quem amara realmente fora seu pai, e o pensamento de que talvez ele a tivesse abandonado por vontade própria a atormentava desde o acontecido.
Amigos na cidade ela já não tinha. As únicas duas amigas pelas quais tinha real afeto se mudaram da cidade por motivos de estudo e trabalho. Ela não tinha o que abandonar, não tinha nada naquele lugar que a pertencesse. A casa que viveu desde seu nascimento era sua por direito, mas ela seria incapaz de pedir aos tios que saíssem e deixassem o lugar só para ela.
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Além do Bosque (Degustação)
RomansEm um passeio nostálgico pelo bosque que enriquecera sua sonhadora e solitária infância, a tímida Maria vê-se inquietantemente surpresa ao ser arrebatada para um lugar misterioso que mostra-se muito além do que até então ela acreditava ser realidade...