Capítulo 1

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15/02/1998

Hoje é minha festinha de 8 anos, junto com o Romeu, no sítio de meus avós. Mamãe e titia Priscila sempre fazem uma única festa para nós e adoro, mas o Romeu não. Ele reclamou no ano passado, que era de zoológico, e não gostou desta também. Está tudo tão lindo, não entendo por que ele está bravo... Tem um castelo enorme, muitos balões rosa e azuis para todos os lados, uma fada madrinha fazendo mágicas para as crianças e pôneis enfeitados para andar. Estou de princesa, com um lindo vestido rodado, com manga bufante e tiara na cabeça. Ele está de príncipe encantado, com capa e tudo, mas enquanto estou muito feliz com minha fantasia, ele está se escondendo debaixo da mesa.

- Sai daí, Rom. Vamos brincar... – falo erguendo a toalha e olhando para meu amigo que está carrancudo.

- Não, o Paulinho está rindo de mim. Disse que minha festa é de menininha.

- Ele é um chato, não liga para ele – esse menino sempre ri de mim na escola, e nem ligo. Mesmo assim Rom me defende e não pensei que ficaria tão chateado com algo que ele dissesse.

- Vou ficar aqui até acabar. Queria uma festa de super-heróis e não de princesinha...

- Então vou me sentar aqui com você.

- Vai sujar seu vestido, pode ir brincar com as outras crianças.

- Não tem graça sem você, Rom. Somos melhores amigos e temos que ficar juntos, não é?

- Somos, mas você tem muitas amigas também. Todo mundo gosta de ficar perto de você.

- Sou muito legal mesmo, eu sei – me acham divertida e engraçada, e não me falta companhia nunca - Se o Paulinho falar mais alguma coisa, piso no pé dele. Mas agora vem brincar comigo, fico triste de te ver aqui – faço beicinho, e ele ri.

- Tá bom, Juli, eu vou. Mas não precisa me defender, só vai piorar tudo.

Mesmo reclamando, meu amigo se diverte com as mágicas e com os brinquedos e, sem que ele perceba, derrubo refrigerante nos meninos que estavam rindo dele pelas costas.

Romeu, ou Rom, é muito quieto, diferente de mim que sou muito animada. Papai diz que somos totalmente opostos, apesar de estarmos sempre grudados. Fazemos tudo juntos: escola, natação, inglês, e ainda brincamos um com o outro no tempo livre. Ele reclama, mas faz todas as minhas vontades, inclusive brincar de boneca, mas escondido, pois tem vergonha.

Gostamos mesmo é de ficar no quintal e minha casa tem um enorme. Em uma das árvores, meu pai fez uma construção que para mim é um castelo, mas o Rom chama de forte. Passamos horas lá em cima, com nossos jogos de tabuleiro, adivinhas e minhas bonecas, nosso segredinho. Nossos dias são muito divertidos. É pega-pega, esconde-esconde, queimada, polícia-ladrão... Criamos brincadeiras novas, encenamos nossos desenhos favoritos, fazemos piqueniques e acampamentos.

Também é onde nos escondemos de meus irmãos pequenos. Mamãe e titia tentaram engravidar juntas novamente, mas Rom continua filho único, enquanto eu tenho dois pequenos terremotos em casa, um de 4 e outro de 2 anos. O maior chama-se Diego e o caçulinha Oscar. São engraçadinhos, mas adoram estragar minhas brincadeiras e fazer bagunça. Agora mesmo, na festa, vi o menor puxando a toalha da mesa do bolo para pegar brigadeiro, sorte que papai acudiu a tempo.

É na nossa casa da árvore que também nos refugiamos quando estamos tristes. Eu, por pequenas briguinhas com minha mamãe e irmãos, nada muito sério. Porém o Rom já tem motivos, seus pais estão brigando muito e ele sempre foge para o forte quando começam a discutir. Mamãe diz que é uma fase, que logo estarão bem, mas meu amigo fica muito triste. Procuro distraí-lo e ele tenta me acompanhar nas brincadeiras, mas a tristeza não vai embora de todo. Falando nisso, vim buscar um novo copo de refrigerante na cozinha e escuto vozes alteradas na lavanderia, são eles.

- Benício, pare com a cerveja, já deu por hoje – escondo-me atrás da porta para ouvir sem que me vejam.

- É dia de festa, Priscila, não posso comemorar o aniversário do meu filho? – a voz dele está muito alta e estranha.

- Por favor, não dê escândalo, já bebeu demais.

- Me deixa em paz, mulher – encolho-me mais em meu esconderijo, quando ele passa rápido pela porta e pega mais uma cerveja na geladeira. Olho pela fresta e titia está enxugando os olhos. Minha mãe entra e a abraça.

- Calma, amiga, não fica assim.

- Ele está cada dia pior, Sofia, tão grosso comigo e bebendo demais. Estou tão preocupada.

- Não deixe isto estragar a festinha do Romeu. Lave o rosto e vá conversar com seus convidados.

- Não posso mesmo ficar aqui chorando...

- Vou pedir para meu Humberto conversar com ele. São muito amigos, talvez ele o escute.

- Obrigada, não sei o que faria sem seu apoio – elas passam por mim sem me notarem e deixo meu posto quando saem da cozinha.

Tio Benício está rindo alto em uma roda de homens, com a garrafa nas mãos. Não sei para quê servir cerveja em festa de criança... Pobre Rom, ainda bem que não foi ele a flagrar a discussão dos pais. Ele teria ficado arrasado... Volto para as brincadeiras e tento esquecer os problemas dos adultos, mas é difícil quando isso nos afeta.

Meus pais estão conversando animados na mesa em que meus avós estão. Eles nunca brigam, não sei o que faria se os visse numa situação como a de agora há pouco. Vovó Marta me vê e acena me chamando, deixo minhas amiguinhas e vou até ela.

- Minha netinha está tão bonita... Uma verdadeira Branca de neve com esses cabelos escuros e pele tão clarinha.

- Fiquei linda, né, vovó?

- Sim, meu anjo. Já tirou muitas fotos?

- Um montão. Eu adorei, mas o Romeu ficou com cara feia, reclamando. Titia ficou brava.

- Vamos cantar parabéns, amor? – minha mamãe pergunta abraçando-me.

Meu papai chama todos e Rom surge já sem seu chapéu emplumado, com o cabelo loiro todo escorrido de suor e a roupa suja. Titia Priscila tenta arrumá-lo um pouco, mas não tem muito sucesso.

- Vamos pensar que o nosso príncipe lutou contra alguns monstros para salvar a princesa, por isso está neste estado – mamãe diz rindo e titia acompanha.

Após o parabéns, sento com Rom para comermos nosso bolo, uma delícia de chocolate e morando, nosso preferido. Ele me entrega seus brigadeiros, já que não gosta muito, e sabe que são meus favoritos.

- Cantaram de novo "Com quem será" para nós, Rom. E nossas mamães ajudaram – morro de vergonha só de lembrar.

- Todo ano é isso, depois ficam rindo de nós na escola.

- Será que a gente vai casar quando crescer?

- Eu não quero me casar nunca.

- Por que, Rom? Não quer ter namorada?

- Só sei que não quero ficar brigando igual a meus pais. Casaram e só sabem discutir, melhor sozinho.

- Mas nós não brigamos.

- Nós somos amigos, é por isso.

- Os meus pais não brigam, nem todos os casais são assim.

- Melhor não arriscar. Já pensou se resolvemos namorar e ficamos igual lá em casa?

- Isso não pode acontecer. Temos um combinado então, nunca nos apaixonarmos. Só amigos.

- Só amigos.


Só amigos? Será? Por quanto tempo?

Até sexta-feira, com o próximo capítulo. Obrigada

Rom & JuliOnde histórias criam vida. Descubra agora