CAPÍTULO 02

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Got secrets I can't tell
I've always liked to play with fire

Sam Tinnesz

HORATION

Eu sempre escutei o meu pai dizer que o amor é destrutivo e a razão de os homens serem fracos. Aprendi que demonstrações de sentimentos não é algo que pessoas como nós, do nosso meio, deveríamos priorizar. Deve ser por isso que sempre mantive esse "casco" de homem impassível e inalcançável. Não demonstro minhas reações, nem mesmo quando mato um do filho da puta à sangue frio e o ouço implorar por misericórdia. Não conseguia me revoltar, nem mesmo quando via o fodido do meu pai espancar a minha mãe quando estava bêbado e drogado. Não que, algum dia, eles tenham sido bons para mim ou para os meus irmãos. Mas, ainda assim, era a minha mãe e eu deveria protegê-la, cuidar dela. Não deveria? O fato é que eu simplesmente me tornei indiferente. Matteo sempre tomava a frente e eu o admirava bastante por isso. Ele sempre a defendia e o nosso pai descontava nele a ira e a revolta da descoberta do que ele entendia como símbolo de fraqueza. O considerava inferior por ele simplesmente demonstrar amor e preocupação. Perdi a conta de quantas vezes, quando meu pai não estava nos vigiando, eu corria para ajudar o meu irmão, cuidando dele, limpando suas feridas e machucados, temendo que, a qualquer instante, fosse descoberto e acabasse num estado pior que o dele. Matteo é a única pessoa que me conhece de verdade, que consegue enxergar o meu verdadeiro eu. Conhecemos bem um ou outro. E nós nos amamos assim.

Sou o irmão do meio. Matteo é mais velho há um ano e alguns meses, desde que me lembro. Arthur, o caçula, hoje está fazendo 13 anos. Quando o Arthur chegou, nossas vidas mudaram completamente. Éramos dois para nos proteger, agora tínhamos mais um. Um verdadeiro inferno eu diria. As agressões ficaram mais intensas. Nossa mãe precisou se afastar das drogas durante toda a gravidez e, quando finalmente o bebê nasceu, ela resolveu passar a maioria do tempo compensando toda a merda perdida. Quando estava drogada, era agressiva com todos, e esses acessos de ódio aconteciam incontáveis vezes durante o dia. Aos finais de semana meu pai enchia a casa de prostitutas e velhos amigos da Organização. A fumaça e o cheiro de cocaína e charuto, estavam presentes vinte e quatro horas durante aqueles três dias infernais. Era comum vermos ele trepando com alguma vadiazinha na cozinha, ou no caralho da mesa de jantar onde, todos os dias, éramos obrigados a comer em família. A traição de um homem para com a sua esposa, não era um motivo de vergonha, mas sim de regozijo e virilidade. Matteo ainda era muito pequeno mas já estava envolto em toda aquela merda. Aprendendo a ser um homem de honra, sendo forçado a fuder com aquelas mulheres, a matar pessoas na frente de todos para mostrar que era um homem de verdade, que merecia ser um capo e que poderiam confiar nele para tal. Afinal, ele é o número um. O herdeiro de toda essa merda. Por tudo isso, eu não o culpava por ele estar lá, no meio de toda aquela nojeira, no momento em que eu precisava dele pra cuidar de Arthur, porque eu sabia que, se ele viesse até a mim, as consequências seriam terríveis. Já que eu não era capaz de protegê-lo das surras, sentia que era a minha obrigação ao menos evitá-las mantendo-o longe de mim

Durante muito tempo, Matteo esteve ocupado capacitando-se para se tornar um Capo, enquanto eu cuidava do Arthur e fazia por ele tudo o que estava ao meu alcance. Ou, caso contrário, ele acabaria morrendo por desnutrição, ou seria acometido por alguma bactéria nojenta proveniente de toda a sujeira na qual ele era obrigado a estar. E eu não poderia deixar isso acontecer. Sempre que possível, eu o alimentava, dava banho e o trocava. Normalmente, Sarah, o nosso projeto de mãe, ficava deitada em frente a cama sem reação alguma, totalmente entorpecida. Por mais que ela não tenha sido uma boa mãe, eu ainda sentia um pouco de compaixão quando a via sozinha. Talvez, por nunca ter entendido o motivo pelo qual ela nos rejeitava tanto. Às vezes, eu também a ajudava, mas o nosso contato acabava ali, naquele instante, assim que eu a deitasse na cama depois de tê-la visto vomitar por quase meia hora e fechasse a porta do quarto.

Segredos no Escuro - Irmãos Santori I.Onde histórias criam vida. Descubra agora