A noite era fria, como uma das muitas que vinham acontecendo. Um vento árido soprava insistentemente, parecendo um soldado cumprindo rigorosamente o seu dever. O clima não era mais o mesmo. O mundo não era mais o mesmo. A fogueira acesa em um tonel fornecia mais calor do que luz. O guarda preferia assim. Há muito tempo ninguém era corajoso ou estúpido o suficiente para desafiar a fortaleza do Chacal. Se bem que para ele era um exagero chamar de fortaleza um prédio feito de placas de vidros. Uma vez perguntara ao General por que, dentre todos os prédios, o Chacal escolhera logo aquele.
"É um prédio alto, espelhado e bem localizado, o Chacal pode ver tudo sem ser visto", respondera-lhe o General.
"Mas você não acha que assim ficamos muito vulneráveis a um ataque?", indagara o guarda.
"Da forma que trabalhamos, o inimigo estará morto antes de pensar em nos atacar", foi a resposta que obteve.
O General tinha toda a razão. Nunca houve sequer uma tentativa. Não sabia se as pessoas respeitavam ou simplesmente tinham medo do Chacal, o fato era que a Fortaleza de Vidro se mantinha intacta.
Enquanto observava a rua cuja responsabilidade era vigiar, mesmo no escuro, pode notar a natureza tomando conta de tudo. Prédios e casas abandonados davam vida a árvores e plantas rasteiras, como se estivessem reivindicando o espaço que uma vez lhe fora tomado. Soubera que na época da grande guerra a natureza estava quase extinta.
Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho vindo da escuridão, em um beco próximo.
- Quem está aí? - indagou o guarda, mais surpreso do que assustado.
Não obteve resposta, porém o barulho continuava. Como alguma coisa se mexendo intermitentemente no escuro.
- Ei, Roy! - chamou o companheiro. - Ouvi um barulho. Vou ali verificar.
Roy estava a cinquenta metros de distância e acenou positivamente a cabeça. Era seu parceiro de vigia daquela semana. Chacal não gostava de manter as duplas fixas em cada setor, para que não houvesse amizade entre os guardas. Na hora que fosse necessário ninguém poderia hesitar em puxar o gatilho, independente de qual fosse o motivo. A falha com certeza significaria morte.
Sacou a sua arma e foi andando lentamente em direção ao beco. A iluminação era precária. Procurou rapidamente por uma madeira para pegar um pouco de fogo, mas não tinha nada que o ajudasse. Quando chegou a dois passos de distância do canto escuro, falou com a voz firme.
- Saia daí ou eu atiro! - advertiu sem ter muita certeza com quem ou o que estava falando.
Um bando de corvos voou em sua direção, fazendo-o cair sentado no chão.
- Pássaros filhos da puta! - resmungou bravo. - Do que está rindo? - perguntou ao ver que Roy se divertia com a cena.
- Eles te pegaram de jeito! - retrucou Roy, tentando conter o sorriso no rosto.
- Bichos desgraçados! - respondeu o guarda se levantando, já recuperado do susto. O mundo atual o ensinara a temer até a própria sombra.
- Eles não vêm até aqui, não se preocupe - disse Roy, de forma desinteressada.
- Quem? Os infectados? - adivinhou o guarda, embora já soubesse a resposta. - Ouvi falar que eles caçam à noite para se alimentar, que nunca se cansam e que sua fome não tem fim.
- Bobagem! São apenas moribundos aguardando que a morte venha e os leve para uma melhor - falou Roy com certo desdém.
O guarda não era tão cético. Ouvira histórias macabras das criaturas que sobreviveram à peste da grande guerra, de como elas se espalharam e infectaram quase todas as pessoas do mundo.
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As Crônicas do Apocalipse - Livro 1 - O Senhor do Tempo (Completo)
Science Fiction2153. Em um lugar conhecido como Pós-Guerra a sociedade tenta se reerguer dos efeitos devastadores deixados pela Terceira Guerra Mundial. Quando um desconhecido surge no deserto, Dante recebe a tarefa de trazê- lo para um homem o qual tem uma gran...