As Crônicas do Apocalipse - Livro 1 - O Senhor do Tempo (Completo)

Capítulo 25 - Meredith

Lar doce lar.

Meredith olhava os altos muros da grande cidade de Cassino. Já era noite e as luzes coloridas dançavam acima das placas de concreto, como se tentassem espiar o que havia fora daquele lugar. Curiosamente, mesmo sabendo o que a esperava ali, ela sentia saudades do lugar onde cresceu. Sua viagem de volta havia demorado mais de um dia. Teve que roubar outro carro e uma moto, mas pelo menos não precisou matar ninguém. Não achava que fosse tão difícil encontrar combustível fora de Cassino. Estava suada e empoeirada e sentia-se suja, mas o banho poderia esperar. Tinha assuntos pendentes para resolver.

Hoje a minha dívida será paga.

Ninguém entrava em Cassino sem ser notado. Todos eram registrados na entrada principal, recebidos com um grande e comprido tapete vermelho. Uma grande estrutura metálica em formato de arco atravessava por cima da entrada principal, iluminada com as luzes coloridas características da cidade e com o letreiro informando o seu conhecido nome. O Apostador queria que as pessoas se sentissem únicas antes mesmo de entrarem em sua casa. Meredith contornou o acesso, indo em direção à passagem secreta. Não queria que sua chegada fosse anunciada.

Cassino foi construída em volta de uma cidade em ruínas. Era contornada por muros para evitar que os devedores fugissem. Mas havia uma passagem de acesso por túneis subterrâneos que um dia já foram utilizados pelos trens que levavam as pessoas de uma cidade a outra. Atualmente os trilhos de ferro eram utilizados apenas para acumular a ferrugem, presente do tempo.

Meredith caminhou até a antiga estação de trem e desceu até o subsolo. Uma vez, quando criança, já teve medo do escuro. Agora ele era seu companheiro, seu cúmplice. Aprendera a gostar das sombras. Seus olhos se adaptaram ao breu do túnel. Esticou a mão em direção à parede para se guiar pelo caminho que já fizera algumas vezes quando queria um tempo a sós. Nunca havia pessoas circulando por ali, então o número de guardas era bem reduzido. O túnel cheirava a mofo e o toque da parede era frio e úmido. Seus passos na escuridão eram cautelosos, mas decididos. Estava determinada e nada a faria parar.

Vagou pelos trilhos, sentindo o desnível de cada pedaço de madeira posicionado no chão. Em sua mente ela revivia, várias e várias vezes, o dia em que seus pais morreram, imaginando um final em que ela mataria o assassino deles. Imaginando um final em que chegaria até a cozinha e sua mãe a receberia com um sorriso, convidando-a para comer um pão caseiro delicioso. Imaginando um final em que chegaria até o celeiro e brigaria com seu irmão por jogar pedras nela. Seu pai apartaria a briga, atiraria ambos no chão e lhes faria cócegas.

Daria tudo para voltar àquele dia.

Viu uma claridade mais adiante no túnel e focou sua visão. Estava chegando ao final do trajeto. O piso da estação era elevado em relação aos trilhos. Meredith confirmou que não havia vigias por lá, segurou-se na borda e puxou seu corpo para cima. Esgueirou-se encostada à parede e observou o corredor. Quatro deles estavam monitorando-o. Nunca havia mais de dois. Isso só poderia significar que o Apostador esperava por seu retorno ou se tratava de uma incrível coincidência. Meredith apostava na primeira alternativa.

Ele não é idiota. Com certeza considerou essa possibilidade.

Por um momento, ela ficou em dúvida se mataria todos ou passaria furtivamente por eles, mas imaginou que se forçasse sua passagem para dentro de Cassino, enfrentaria maior resistência. Teria que ser quase invisível para chegar ao seu objetivo. Espiou pelo corredor, aguardando uma distração dos vigias. Passou para o outro lado, procurando a entrada do duto de ar. Retirou a tampa, como já havia feito em outras vezes, e se arrastou por dentro da tubulação com cautela para que os homens não a ouvissem. Desceu pelo outro lado, próximo à saída da estação. Sua vantagem era conhecer Cassino como a palma de sua mão.