As Crônicas do Apocalipse - Livro 1 - O Senhor do Tempo (Completo)

Capítulo 23 - Mordecai

- O que você acha que eu deveria ter feito? - perguntou à Diana, que o observava pousada na mureta do terraço.

"Uh-Uh", respondeu a coruja.

Mordecai olhou com ternura para a grande coruja branca, mesmo que sua resposta não lhe trouxesse conforto. Estava se sentindo culpado. Muito culpado. Foi rigorosamente orientado para que não deixasse nenhuma pessoa ficar entre ele e sua missão. Assistiu Molenga morrer de forma brutal sem intervir, mesmo que isso fosse contra os seus princípios, pois afinal sua missão era mais importante que qualquer outra coisa.

Um dia você fará a diferença na vida das pessoas.

Mas ele sabia que tinha algo errado com ele. Há alguns dias atrás acordara sentindo-se esquisito. Havia um infectado morto no banheiro, mesmo com a porta fechada e trancada. Ele não se lembrava de nada do que havia feito. Apenas se sentia cansado. No início da manhã acordara no terraço, com as suas espadas banhadas em sangue. Os infectados da barricada haviam sido dizimados e seis soldados foram mortos.

Cortados como manteiga.

Mordecai não se lembrava do que havia acontecido. Tudo o que sabia era que não havia trocado o turno de vigia com Cisco, e quando foi procurá-lo pela manhã, ele estava escondido atrás de um sofá. Mordecai disfarçou esperando que ele não o questionasse. Quando foi acusado pelos outros soldados, porém, ficou sem opção, a não ser abandonar o pequeno grupo. Sua intuição lhe dizia que não era seguro seguir com eles.

Despediu-se de Cisco com dificuldade, pois apesar de terem passado pouco tempo juntos, gostava do soldado. Caminhou rumo aos prédios mais próximos, se escondeu, e aguardou até que eles seguissem com sua missão, para poder observá-los. Assistiu eles entrarem em um grande prédio, para minutos depois, seu maior rival dentro da Cidade Fantasma, seu maior obstáculo em sua missão, aparecer. Aquele que havia colocado sua vida em perigo, mais de uma vez. A quem Cisco carinhosamente batizara de Wendigo.

Foi o tempo de a criatura entrar pela porta do estabelecimento para se iniciar um grande alvoroço. Ele ouviu gritos desesperados, tiros, coisas sendo jogadas, parecia o próprio inferno. Pensou na incrível sorte que teve em se afastar do grupo, mas ao mesmo tempo ficou apreensivo porque Cisco estava lá. Acompanhou ansioso para saber o que aconteceria. A criatura havia fugido dele quando ficaram frente a frente, e novamente quando encarou o mecânico da Forja, amigo de Cisco.

Porque atacaria um grupo de soldados armados?

A luta não levou muito tempo e logo Wendigo saiu de dentro do prédio, caminhando como se nada houvesse acontecido. Logo atrás dele, andando com sua escopeta na mão, ele avistou Cisco. O silêncio tomou conta da Cidade Fantasma, trazendo de volta a normalidade. Ele acompanhou os dois, escondendo-se entre os prédios a uma distância segura. Por um breve momento desconfiou que Cisco pudesse estar junto de Wendigo, mas, pelos seus passos hesitantes, percebeu que ele fora obrigado a acompanhá-lo.

Porque Wendigo o manteve vivo?

Aguardou tempo suficiente para se certificar de que não era uma emboscada e entrou no prédio cautelosamente para ver o que havia acontecido. Na entrada já identificou três corpos caídos. Olhou em volta procurando sobreviventes, mas não havia ninguém vivo, parecia até um cemitério. Mordecai se abaixou próximo aos primeiros corpos e os analisou. Estavam dilacerados pelas garras do Wendigo. Observou um a um dos vários que estavam ali. Alguns morreram com armas em punho e ele pensou que talvez elas não fossem tão efetivas, pois a criatura havia saído dali completamente incólume.

Identificou entre os corpos os homens que haviam abordado ele e Cisco. George jazia com os olhos apavorados e a boca aberta. Não teve nem tempo de mudar a expressão quando sofreu o golpe fatal. Pela história que contaram, nem eram soldados, mas sim homens simples que ficaram devendo dinheiro. "Um trabalho seria o suficiente", dissera um deles.