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A constante sensação de inverno não incomodava mais o jovem Burki, que caminhava de volta para casa. A modesta cabana surgia diante de seus olhos, e consigo, uma sensação que o perturbava.

Os ruídos que vinham de seu interior indicavam que o padrasto havia retornado de sua lida. O jovem não sabia exatamente o que o atual marido de sua mãe fazia, mas o trabalho demandava progressivas ausências da cidadela, conferindo ao garoto um pouco de sossego. Resistente, estacionou à porta, pensando se deveria entrar ou não, mas após um breve suspiro, pressionou a velha porta de madeira, que rangeu, revelando seu acesso.

Sua mãe servia o que parecia ser um cozido, enquanto seu padrasto apenas o olhou brevemente, voltando suas atenções para o alimento, que devorava com empenho.

— Oi mãe! — Saudou.

— Chegou bem na hora, sente-se. — Pediu a mãe com carinho.

Burki sentou-se, sendo vedado pelo padrasto.

— Não vai dirigir-se a mim? — Disse taciturno.

— Oi... — Burki respondeu secamente, enquanto tentava palpar um pedaço de pão.

— Você precisa pagar para comer! — Determinou o padrasto, puxando o pão para junto de si.

A mãe de Burki o repreendeu com o olhar.

— Ele não é mais uma criança, agora é um homem! — Disse com ironia. — Desta forma, precisa colocar suas moedas nesta casa se quiser comer! — Completou, fechando sua expressão.

— Não pode trata-lo desta forma! — Exortou a mãe.

— Posso sim! Esta casa é minha! — Retrucou o padrasto com soberba.

A mãe de Burki, contrariando a determinação de seu marido, ofereceu o pão para o filho.

— Como ousa me desautorizar! — Urrou afastando-a com veemência.

— Não faça isso com ela! — Cobrou Burki.

— Ela é minha mulher! Ela é minha propriedade! — Bradou o padrasto.

— Não sou sua escrava! — Respondeu a mãe.

— É sim! — Repeliu, bofeteando-a.

Burki avançou ao encontro do truculento padrasto. Apesar de não ser criança, não era dotado de uma compleição física apropriada para encarar aquele homem quadrado com eficiência. Suas investidas não surtiram o efeito desejado, sendo jogado contra a parede. O movimento precipitou a sacola de moedas ao chão, e boa parte do que havia sobrado do apurado, ficou exposto aos olhos sovinas do padrasto.

— Não falei que ele tinha moedas! — Disse indo ao encontro do cobre.

Burki, recuperado do baque, foi ao encontro de sua mãe, ainda atordoada com o golpe. O padrasto zombeteava da situação, enquanto sua mulher sofria uma forte pressão em seu ventre.

Sabedora dos efeitos de tamanha dor, palpou a região, tentando inutilmente conter o inevitável. Vendo o sangue lhe deixar, encarou o marido, que voltando a si, olhava sua mulher, com mudez. Sem ao menos esboçar uma reação sequer, retirou-se.

Com mais um insucesso, a mãe de Burki não conseguia dar ao seu novo marido um filho. Burki continuava sendo o mais próximo de uma cria, mas sua semelhança com o pai biológico era tão evidente que uma aproximação filial se tornava improvável. Mesmo depois de seu sumiço, cercado de tantos enigmas.

Burki abraçou sua mãe, enquanto mirava a sacola vazia e as ínfimas moedas que resistiram ao saque.

O PRIMADO CAVALARIANO (2020) - LIVRO (Apenas os capítulos iniciais)Onde histórias criam vida. Descubra agora