CAPÍTULO UM

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Um, dois, três comprimidos. É assim que o dia de Fernanda se inicia em meio ao barulho irritante do despertador pelo quarto.

Acomodada na beirada da cama, a jovem possuía dificuldades para engolir os medicamentos. Cada comprimido despertava um estalo em sua mente, fazendo-a recordar de seu tormento diário.

*.*.*

No reflexo do espelho, a moça encarava os olhos castanhos escuros, cercados por olheiras. Mais uma vez, o efeito colateral de suas medicações a impediram de desfrutar de um sono satisfatório. Vômitos e fortes dores de cabeça a fizeram companhia durante toda a madrugada. A cada regurgitação em seu estômago, Fernanda fechava os olhos com força e, rapidamente, aquela noite sombria vinha à mente como um pesadelo. Como poderia ter sido tão ingênua?

O abdome contraiu-se, dessa vez com mais violência. A lembrança de suas mãos trêmulas, segurando aquele maldito exame de sangue lhe vem à mente: HIV positivo. Os olhos marejaram naquele instante, o coração palpitava descompassado, querendo rasgar o peito. A angústia estrangulou sua garganta, a fazendo companhia, a visão tornou-se turva e o gosto amargo do vômito impregnou sua boca. Fernanda entrou para as estatísticas de pessoas soropositivas no país.

Em meio às lembranças lamuriosas, a moça despiu-se para o banho da manhã. Dali a poucos minutos deveria estar no Colégio Padre Eustáquio. Seu primeiro dia de trabalho como professora de Biologia.

*.*.*

Na casa de Heloísa, uma tensão perpetuava na atmosfera do quarto de hóspedes, após uma discussão entre ela e Augusto, seu sobrinho:

— De forma alguma admitirei isso em minha casa, Augusto! — aborrecida, Heloísa exclamava, pela terceira vez. Escorada no batente da porta, observava o rapaz com reprovação.

— Mas tia, qual é o problema? É um rapaz e... E a gente se gosta, poxa! — argumentou com a voz embargada, franzindo as sobrancelhas.

Impaciente, Heloísa revirou os olhos enquanto Augusto colocava seus pertences em uma mala.

— O problema é que você sabe que isso é errado! Não é certo um homem se deitar com o outro! — berrou, passando as mãos pelos cabelos amendoados. — Você pode morar aqui, com a gente, mas sem... — Franziu as sobrancelhas, parecendo hesitar. — Ah! Mas sem essa nojeira! Gays transmitem um monte de doenças! Imagina se você pega HIV? Você quer ser um doente?

Ele a encarou com os olhos marejados, transmitindo toda a sua mágoa e dor. Ouvir aquilo ser proferido por Heloísa, o acertou como uma flecha. Com as lágrimas escorrendo pelo rosto, deu um suspiro estremecido, profundo.

— Ah, tia Helô, a senhora é enfermeira, cara! E mais do que ninguém, sabe que isso é conversa fiada! O Igor e eu somos saudáveis! A gente se ama! — o rapaz estava aos prantos.

Irredutível, a mulher meneou a cabeça em negação, cruzando os braços a frente do corpo. Encarou o sobrinho por poucos segundos. Seu rosto assumia um tom ruborizado, denunciando seu descontentamento com Augusto.

— Olha, o meu marido precisa de tranquilidade neste momento. — Referiu-se ao marido enfermo terminal. — Não quero ver essa situação em minha casa! Não contarei ao seu pai, porém não te quero mais aqui! — finalizou dando as costas para o jovem.

Os lábios do garoto estremeceram e outra vez, Heloísa o atingiu certeiro. Augusto sentia como se facas pontudas raspassem seu peito com violência. Doeu. Doeu muito o preconceito de sua tia, pessoa ao qual tanto admirava.

— Esperava mais de você, Heloísa — murmurou amargurado, engolindo seco.

Ainda de costas, a enfermeira permaneceu estática. Pressionou os lábios, suspirou e, por fim, disse:

Pecado Vermelho (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora