Completaria um mês desde que o período letivo se iniciou, assim como a relação amigável que se desenvolvia entre Fernanda e Heloísa. Todos os dias, após o expediente, a enfermeira passou a oferecer carona para a moça.
Embora estivessem iniciando uma boa conexão e Fernanda nutrisse um pequeno desejo pela mulher, evitavam conversas que não fossem pertinentes ao trabalho.
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— Então, dona Tereza — Nanda falou exibindo seu sorriso mais cordial a diretora. — Amanhã, poderei chegar após o almoço, né?!
— Sim, claro que sim — a mulher concordou acomodada atrás da mesa de escritório. — Se é pelo bem de sua saúde. Mas, por favor, não se esqueça de pedir ao médico uma declaração.
A jovem concordou com um aceno e estendeu a mão para um cumprimento formal com a diretora, porém antes que a mulher cumprisse o gesto, alguém bateu na porta.
Logo, Tereza atendeu e suas sobrancelhas delineadas, uniram-se, evidenciando o semblante confuso ao perceber Heloísa, acompanhada de duas alunas.
— Preciso conversar com a senhora! — Helô exclamou irritada, com os braços cruzados a frente do corpo. Ela ainda não havia percebido a presença da professora.
— O que houve Heloísa? É urgente? — Questionou impaciente, observando a culpa estampada no rosto das garotas. — Pois estou ocupada.
— Quero que você dê um castigo à essas meninas! — exclamou furiosa, adentrando a sala de Tereza. — Vi as duas se beijando no corredor e isso é inadmissível!
Nesse instante, Fernanda deu um passo, surgindo no campo de visão da enfermeira e a encarou, admirada com a reação escandalosa. A professora, no pouco tempo em que estava trabalhando no colégio, presenciou diversas cenas de beijos entre os adolescentes e não conseguia compreender como a colega poderia se irritar com aquilo. Pensou em se retirar, porém não conseguiu.
— Ah, olha só — murmurou, atraindo a atenção. — Desculpe a minha intromissão, mas a senhora acha viável castigá-las por isso, Tereza? Foi só um beijinho!
— Tem que castigar, sim, Fernanda! — Heloísa exclamou convicta, sem permitir que a diretora dissesse algo. — Essas coisas não podem acontecer, ainda mais dentro de um colégio! Começa com um beijo e daqui a pouco estão se esfregando!
O coração de Fernanda palpitava forte. Com reprovação, encarou a enfermeira, praticamente a fuzilando.
— Hein, dona Tereza?! — insistiu, elevando as sobrancelhas, ignorando a colega de trabalho.
— Claro que não! — a diretora respondeu, franzindo as sobrancelhas, fazendo pouco caso da situação. — Não precisa deste escândalo todo, Heloísa! Menos aí, por favor! A professora Fernanda tem toda razão — ajeitou os óculos de grau. — Meninas, por favor, nos deem licença. Depois a chamaremos para uma conversa, ok?!
Silenciosas, as garotas retiraram-se da saleta de mãos dadas, pressionando os lábios, segurando um risinho de escárnio pela situação da enfermeira.
— Oh! Não estou acreditando nisso! — Helô mexia a cabeça em negação. — Mas isso é um absurdo, Tereza! — praticamente berrou, vendo as garotas se distanciarem no corredor. A diretora fechou a porta e fulminou a enfermeira com reprovação.
— Absurdo?! — Fernanda retrucou passando as mãos pelos cabelos ondulados. — Isso é comum, Heloísa. Elas estão se descobrindo... — a mulher meneou a cabeça, sorrindo ironicamente. — Inclusive, Tereza, acho interessante realizarmos uma palestra sobre sexualidade com os adolescentes.
Outra vez, a enfermeira ficou boquiaberta, encarando a professora como se ela houvesse dito algum escândalo. A diretora concordava.
— Não! De jeito nenhum, Fernanda! — ergueu a mão, balançando o dedo indicador. — Vai admitir isso com os alunos, Tereza? — voltou-se para questionar a superiora. — Os pais dessas crianças pagam caro para terem um ensino de qualidade e você apoia que safadeza seja ensinada?
— Não é safadeza. Acho digna a ideia da Fernanda. E gostaria que você respeitasse isso, Heloísa — a mulher proferiu com firmeza. — Inclusive, peço que vocês duas façam uma parceria e elaborem um documento detalhando esse projeto.
A enfermeira riu com deboche e negou.
— Tô fora disso! — cruzou os braços a frente do corpo.
— Não, você não está — Tereza interviu novamente. — Como uma boa enfermeira, nada mais justo que ajude na elaboração deste assunto. Quero o projeto até o fim desta semana, na minha mesa — ela sentou-se em sua cadeira. — Estão dispensadas.
Heloísa retirou-se da sala da diretoria em passos largos. Seu coração batia descompassado e sentia um sentimento angustiante lhe assolar. Não conseguia entender como o fato de ver as garotas se beijando, a incomodou tanto.
— Nossa, Heloísa, estou assustada com o seu comportamento! — Fernanda a alcançou, tocando-a nos ombros. — Não precisava criar tanto caso por um beijinho bobo de meninas — deu um risinho.
— Aí, puxa vida, Nanda! — parou de andar, esfregando as mãos no rosto. — Isso é inadmissível pra mim!
— Olha, entendo os seus princípios, mas você não pode permitir que eles passem por cima da dignidade de outros. Pode acabar magoando as pessoas, sabia?
Nesse instante, ela lançou um olhar carregado de sarcasmo para a professora.
— Magoar quem, Fernanda? Não me misturo com essa gente! — deu-lhe as costas, continuando a caminhar.
Fernanda sentiu os olhos marejarem e observou a moça se distanciar. Foi dolorido. Lamentou-se pela mulher ser tão preconceituosa.
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Pecado Vermelho (DEGUSTAÇÃO)
RomanceA enfermeira Heloísa vivencia sua rotina monótona, dividindo o tempo entre o trabalho, a igreja e o casamento, até que a professora Fernanda desperta na mulher sentimentos incompreendidos, fazendo-a questionar a sua sexualidade, sua sanidade e suas...