Fevereiro: O primeiro jantar

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Draco poderia dizer que, depois daquele primeiro encontro com Harry, ele não havia mais pensado sobre aquilo por longas semanas, mas estaria apenas contando mentiras para si mesmo. A verdade era que as palavras do garoto ainda ressoavam com força em sua cabeça, indo e voltando, lhe atazanando no almoço, no banho, na saída com o cachorro, enquanto fingia que dormia para que a mãe não lhe incomodasse. Elas sempre estavam ali, escondidas, prontas para surgir sempre que alguma coisa muito importante, séria ou inusitada estava acontecendo, como quando simplesmente ficara paralisado em frente a faixa dos pedestres, segurando seu cachorro nos braços, olhando para frente como se fosse atravessar, mas sem mover as pernas. Os motoristas buzinavam, bravos, alguns atravessavam sem sequer pensar duas vezes e outros esperavam pelo sinal. Ou quando, subitamente, esqueceu de continuar a mexer a calda de chocolate que fazia antes dela simplesmente evaporar e grudar nos cantos da panela, um soro inutilizável e queimado. Aquelas palavras misturavam-se com sua mente, como um vírus, se multiplicando até que não conseguisse fazer nada além de pensar nelas.

Eles já estavam na segunda semana de fevereiro, o verão queimava ardente em suas costas e Draco não sabia o que fazer, pelo menos não exatamente. Sentado em frente ao seu computador, um modelo antigo, mas que ainda funcionava, ele observava a rua a sua frente, o declive que descia e descia até atingir o resto da cidade, os arbustos, agora iluminados, e os poucos carros que passavam por aquela trilha. Ele precisava digitar uma redação até o final do dia, a data limite para participar da competição de redações que estava acontecendo na cidade — que ele não queria participar, mas sua mãe estava lhe obrigando. Para participar, era necessário redigir um texto sobre o seu futuro, a profissão que sonhava em seguir e os objetivos e interesses que gostaria de alcançar antes dos trinta anos. Draco poderia usar de toda a sua habilidade com escrita e escrever algo supérfluo, mas digno de vitória, e que contasse apenas mais uma daquelas histórias inspiradoras de se tornar um importante político ou médico, mesmo que isso não estivesse nem perto do que ele desejava. Fazer isso, porém, não somente o faria vencer a competição, como também iria agradar sua mãe, o que iria melhorar, pelo menos um pouco, a relação de ambos.

Mas a verdade era que Draco não queria fazer isso, não seria justo para todos aqueles que estavam participando e, principalmente, não seria justo para si mesmo. Para que fosse justo, no entanto, ele precisaria escrever o que ele realmente almejava em se tornar antes dos trinta anos; o que ele poderia fazer, porém, quando não fazia ideia do que queria fazer? Para um adolescente da sua idade — pelo menos aqueles que tinha contato, a maioria garotos ricos e filhos de importantes figuras londrinas de sua escola —, ele estava atrasado. Atrasado até demais. Dezesseis anos, não estava engajado em um relacionamento sério, não tinha ideia do que seria sua futura profissão e ainda não tinha começado a estudar para o vestibular, que seria no próximo ano. Enquanto seus colegas já estudavam em cursinhos pré-med, os mais caros de Londres, e alguns até jogavam tudo para o alto e diziam que não queriam fazer nada, Draco ainda não havia decidido nem isso. É claro que ele queria fazer alguma coisa, devia isso para seus pais, de alguma forma, mas ele não queria se tornar um médico sem qualificação, um engenheiro sem noção alguma de espaço — ele era péssimo em cálculo, Jesus Cristo! — e muito menos um professor sem didática. Um poço sem fundo, um zero à esquerda, um vagabundo — como seu avô o chamaria se não fosse seu próprio neto. Draco era tudo isso e não se orgulhava disso.

Mesmo ali de cima, enquanto lutava para surgir com uma alguma ideia mirabolante ou visão futurista de seu próprio destino, Draco conseguia ouvir a voz da mãe, dando ordens e pedindo que os entregadores colocassem cada coisa em seu devido lugar: vasos de plantas e de flores, mesas e cadeiras, bancos para ficar na beira da piscina. A equipe do buffet estava quase enlouquecendo com as constantes mudanças de opiniões de sua mãe, segurando as imensas bandejas e pratos de comida em suas mãos. Desde a semana anterior, Narcisa vinha com a ideia de organizar um chá beneficente, uma forma de arrecadar dinheiro — e matérias de jornais — para as crianças da comunidade. Era típico de sua mãe e típico da classe média daquela cidade. Mostrar ao mundo que tinha dinheiro. E mostrar ao mundo que gastava esse dinheiro. Era esse o espírito, era essa a onda. De todos os eventos que sua mãe já havia aparecido com, aquele era o que Draco menos estava gostando. A casa estava virada em um caos, tudo que sua mãe conseguia pensar era naquilo, seu pai aproveitava para beber o dobro do que ele já bebia diariamente; era um festival de bizarrices, de pessoas descontroladas e de surtos diários por parte de Draco.

12 Meses de Draco Malfoy - DRARRYOnde histórias criam vida. Descubra agora