Estava tudo pronto para o aniversário de Ana Lira. Os convidados, alegres pelo vinho e admirados com a decoração impecável, transitavam de um lado a outro no salão. Vittório e os Lira recebiam os que vinham chegando e alguns, ainda na porta, escandalizavam-se com o luxo da festa.
- É impressão minha ou vocês locaram o castelo da rainha? - perguntou Dr. Francisco Fonseca, médico dos Lira - pois não me parece que estou no Rio e sim na Inglaterra!
- Que bom que você veio Chico! - respondeu Carlinhos cumprimentando o médico - este aqui é nosso amigo vittório, ele se propôs a cuidar de todos os detalhes da festa.
- Devo parabenizá-lo pelo ótimo gosto - disse Francisco estendo a mão para Vittório - e Aninha onde está?
- Ela ainda está lá encima se penteando - respondeu Cecília com um largo sorriso - falando nisso já são oito horas, podemos começar. Maísa querida, vá buscar sua irmã.
Maísa subiu os lances de escada quase correndo em busca da aniversariante. Ela estava muito feliz e elegante. Quando chegou no quarto encontrou Ana Lira penteando as madeixas louras com o olhar baixo e distante.
- Heeeey Tá na hora, tá na hora, tá hora!!! Você está pronta?
Ana Lira balançou a cabeça afirmando que estava.
- Aninha... aconteceu alguma coisa? você não parece estar muito contente - disse Maísa sentindo um frêmito de angústia diante do aparente desanimo da irmã.
- Maísa, devo lhe confessar que não estou em bom ânimo - respondeu Ana Lira erguendo seu olhar triste - mas irei fazer esforço para dissimular minhas emoções quando descermos.
- O que houve Aninha? é sobre o que aconteceu na Avenida? - perguntou Maísa já aflita - eles fizeram alguma coisa contra você?
- Antes tivessem feito mamá! mas o que acontece é que eu estou apaixonada. Irremediavelmente apaixonada.
- Ora não seja dramática Ana - disse Maísa sorrindo - me conte mais... ele está aqui? é por isso que não quer descer não é? não me diga que é quem eu estou pensando!
- Ele não está aqui. Na verdade ele nem é do nosso meio e eu nem mesmo sei quem ele é. Só sei que se chama Murilo Mendes e que suas palavras hoje à tarde na Avenida penetraram tão fundo em meu coração que é provável até eu jamais esquece-las.
As expressões de Maísa após a fala de Ana Lira denunciavam espanto e reprovação. Ela ficou durante um tempo em silêncio encarando a irmã mais nova como se não acreditasse que no que fora dito por ela.
- Você está impressionada com o que viu e por isso não se dá conta do absurdo que está me dizendo. Eu irei fingir que você nunca disse isso e vou anunciar sua chegança. E se acaso o senhor Vittório pedir a você uma dança, por favor minha querida irmã, aceite para que todos fiquem felizes.
Ana Lira tinha lágrimas nos olhos e quando Maísa saiu, deixou que elas caíssem.
Maísa desceu as escadas emocionada também, mas uma emoção diferente daquela que se passava dentro da irmã: ela sentia raiva do que tinha ouvido e muito desprezo pelos sentimentos que Ana Lira revelara, uma vez que sua felicidade de momentos antes se pautava na esperança de que a irmã naquela noite correspondesse ao amor do ''príncipe'' que a esperava ansioso lá embaixo e que sabia não ter olhos para nenhuma outra dama, que não fosse a princesa Ana Lira. Apesar do desapontamento que sentia, ela anunciou em tom alegre:
- Senhoras e senhores. Tenho orgulho de chamar em vossa presença minha tão amada irmã que hoje, no auge de sua beleza, completa vinte e quatro anos. há vinte e quatro anos ela ilumina nossas vidas com a graça de seu sorriso e inspira em nós o verdadeiro significado do amor: a incondicionalidade. Com vocês, minha doce irmã Ana Lira!
A moça no vestido azul descendo gloriosa pelas escadas fez Vittório sentir fisgadas no coração e inevitável frio na barriga. A ideia de estar em um grande e luxuoso salão, na presença dos mais ilustres convidados com a mulher mais bela que conhecia vindo em sua direção, parecia inacreditável tamanho êxtase lhe provocava. Aguardou a família, os amigos da família e as amigas estimadas desejarem-na congratulações, para no momento que meticulosamente planejou a entrada dos músicos, aproximar-se dela.
- Meus parabéns Ana - disse Vittório sentindo o ar rarefeito - espero que esteja apreciando seu presente. Fiz tudo pensando na satisfação que é para mim vê-la feliz.
Ana Lira sorriu e em resposta imediata ao que Vittório lhe disse o abraçou.
- Muito obrigada Vittório. A festa está perfeita e os convidados não param de falar dos vinhos finos e do serviço impecável. Nem sei como agradecê-lo.
- Sabe Ana, há uma maneira de você me agradecer que me fará feliz por dias - disse Vittório se afastando e estendendo a mão direita - dance comigo.
Ana Lira se lembrou das palavras de Maísa mas, mesmo que ela não tivesse feito o pedido ela teria aceitado dançar com ele. Afinal de contas, não era de seu feitio fazer desfeitas e ser tão indelicada, ainda mais com um homem de coração tão bom como Vittório Lacerda.
Enquanto dançavam, Vittório sentiu que havia algo mantendo a mente e o corpo de Ana Lira, apesar de bem próximo ao seu, distante do momento. Ele não se conteve e perguntou:
- mas me diga Ana, existe algo em mim que lhe desagrada?
Ana Lira caiu em si com a pergunta e olhos nos olhos com Vittório disse:
- O que te faz pensar assim? você tem sido um perfeito cavalheiro. Eu o estimo muito!
Guardando o êxtase que essas palavras lhe causaram ele tornou:
- Ana Lira, é que os seus olhos estão tristes mesmo quando você sorri.
Ela afastou na mesma hora os olhos dos dele, sentindo-lhe a alma invadida. Lutando contra lágrimas que teimavam em brotar e fazendo um esforço hercúleo para afastar os pensamentos do poeta da avenida ela disse:
- A verdade é que eu estou impressionada com o que presenciei hoje na volta pra casa. Nunca tinha estado rodeada por tantos desconhecidos. Fiquei muito assustada.
- Eu soube da manifestação e imagino o terror que sentiu. Gostaria de estar lá e te proteger - disse Vittório comovido com o que acabara de ouvir.
Eles dançaram em silêncio duas músicas inteiras. Nenhum dos dois tinha ou queria dizer mais alguma coisa.
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