— Pois bem! É verdade. Agora que sou seu analista, devo aconselhar para que não venha a cometer esses enganos novamente. Vou livrá-lo, pouco a pouco, dessas coisas que lhe oprimem. Freud era um teimoso inveterado, só queria saber de prazer. Mas pense comigo: como buscará prazer essa penca de miseráveis que não tem dinheiro para pagar?
Envolvera-se demais!, disse a si mesmo. Estava furioso; já não conseguia mais manter o distanciamento entre paciente e analista, recomendado por Freud. Ah, mais estava lidando com um dragão, não com uma pessoa. Freud nada recomendara sobre dragões. Dane-se, Freud! Era sua culpa ter mimado esse dragão no século passado.
— Então o prazer legítimo precisa ser comprado? Não existe prazer nas coisas simples? — O dragão estava ligeiramente atônito diante desse novo mundo de valores.
— Se quer um serviço profissional, sim. E almas refinadas como a minha e a sua apenas se satisfazem com o que é genuinamente belo, formalmente elegante e pleno de bom gosto.
Continuassem com aquela conversa, Klaus teria de recriminá-lo por sua frívola caça a ovinos. Com tanto poder e tesouros, poderia simplesmente ordenar que lhe trouxessem uma iguaria nova a cada dia. Ademais, falar em comunismo o deixava muito irritado. Aproveitou o acuo do monstro para arrematar:
— Até uma boa análise precisa ser bem paga, muito bem paga, para ter eficácia. — E deixou que a sugestão fermentasse ao momento: — Mas, preciso dizer que seu tempo acabou.
Desperto do ensimemamento, o dragão timidamente protestou: — Já?
— Sim! Passa depressa, né? Isso é sinal de que o Senhor tem ainda muito a ser trabalhado no seu psicológico. Não se preocupe, estou aqui para ouvi-lo e acompanhá-lo. Posso voltar amanhã, se concordar em prosseguir.
A fera sorriu amistosamente aliviada.
— A cidade te recompensará adequadamente pelo teu trabalho ao vir aqui?
Klaus pigarreou antes de responder, voltando a mirar a coroa: — Não, não, eu... eu queria muito conhecê-lo e fiquei empolgado em poder ajudá-lo a resolver seus conflitos internos. Mas espero ter mostrado que minhas qualificações são adequadas para desempenhar esse papel.
— Nesse caso, preciso remunerar-te apropriadamente. Não é justo que tu tenhas despesas ao vir de tão longe; disseste de Hamburgo, não? Qual o valor de tua consulta?
O analista quase lufou antes de declará-lo. Talvez fosse um movimento arriscado, mas ele lá seria delicado com um dragão comunista? Sua paciência esgotara. Comunista tinha mais é que deixar de ser otário!
— Bem, eu cobro assim, por baixo, uns vinte bitcoins por hora...
Novamente os olhos do dragão se abriram em angústia e a voz soou assustada.
— Eu não sei quanto é isso! Deve ser muito, pelo que falaste! E quanto mais falamos sobre esses bitcoins, mais eles valem, não é? Como poder-te-ei pagar?
— Não se preocupe! Como já tinha me oferecido, posso levar um de seus itens para trocar por criptomoedas no mercado. Dessas retiro meu pagamento, a taxa de serviço e ainda deve sobrar um punhado de bitcoins para o Senhor.
— Estou maravilhado! És um formidável profissional. — e meigamente, quase um pupilo a buscar a aprovação do tutor, propôs: — Achas que a coroa de Carlos Magno seria suficiente para essas despesas?
O analista engasgou, de incrédulo a eufórico: — O-ora, eu não esperava, não esperava mesmo!, que a análise fosse fazer efeito tão rápido e o senhor já conseguisse por à disposição algo do qual gosta tanto! Certamente é! Conseguirei um bom valor por ela, tenho certeza que o senhor irá ficar muito, muito satisfeito!
— Então estamos combinados assim! — e ergueu-se sobre as quatro patas. Parecia mais alto do que Klaus já o tinha visto. — Não imagina o quanto toda essa conversa abriu meu apetite.
Klaus pegou a coroa e voltou-se ao dragão para agradecer sua confiança.
— Volto amanhã com os certificados de compra de suas bitcoins, Senhor Dragão!
— Lingo-Lingo.
— Como? Não entendi.
— Meu nome é Lingo-Lingo, doutor.
A coroa em suas mãos ofuscava-lhe a visão. Ele parou por uns instantes, até abrir-se em desarmada momice; e foi-se encaminhando para a saída enquanto dizia:
— Muito grato pela confiança! Devo ir agora! Não se incomode com a fome, Sr. Lingo-Lingo. Descanse! Com o troco da operação financeira, posso mandar que lhe tragam ainda hoje uma vaca inteira!
— Isso não será necessário!
Ainda distraído, esta foi a última coisa que ouviu do dragão, antes de ter a face esmurrada pelo chão e sentir uma dor súbita no corpo que o esvesgou. A fera tinha-o derrubado com rápido golpe da pata dianteira, com tal violência que suas pernas se quebraram. A coroa de Carlos Magno rolou delicadamente de volta à pilha onde se encontrava.
Entre hurros e ofegos, choro, gemido e terror, Klaus apenas conseguiu protestar: — Ai! Ai! O que houve? Ai! Droga! Por que fez isso, monstro desgraçado? So... so-corro! Vim para lhe ajudar!
E antes de ouvir resposta, houve uma pausa, que durou nem sei quanto. Uma pausa de imprevisibilidade. O silêncio latejou-o muito mais do que a fratura exposta. Por algum motivo, lembrou-se de sua Brunhild; antes não tivesse conseguido escapar de seus braços.
— Sim, vieste! E nossa prosa foi deveras estimulante, se me permites dizer. Mas não te contei uma coisa fundamental, doutor... — e aproximou-se sorricínico ao analista caído ao chão. — Hás de perdoar-me a falta de educação, que eu sempre tive esse mania feia de brincar com a comida!
FIM
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O Dragão e o Analista
FantezieApós hibernar por um século, um enorme dragão vermelho acorda na cidade de Mitteltal, no Sul da Alemanha, trazendo pânico ao local. Para interromper os ataques às fazendas, ele exige que a cidade lhe envie um interlocutor que entenda as dores e os m...