A reação do dragão não podia deixá-lo mais corajoso: — Tento me ajustar ao paciente... Agora, fale-me sobre seus pais.
A voz do dragão, galhofeira, por um momento modulou para um tom mais grave e clangoroso: — Papai era um bom dragão... Mas foi assassinado por aquele cavaleiro romano, o que dizem ser santo. Ah, nunca superei isso...
O depoimento siderou o analista, que tentou balbuciar condolências; mas o dragão já se recuperava e dizia:
— Já mamãe é calorenta... Prefere viver nas montanhas do Himalaia. Tss, temos uma relação um tanto fria, eu diria. Anotaste tudo o que contei?
— É... Bem... O essencial, por assim dizer. — E logo o desconforto retornou, pois temeu que o dragão tivesse percebido sua distração com os objetos que se encontravam na caverna.
— Posso ver? Sempre tive curiosidade em saber o que Sigmund anotava sobre mim.
Klaus tentou se esquivar, mas o dragão era muito ágil e logo seu pescoço dava a volta e ele se encontrava olhando pelas suas costas.
— Ora, que bonitinho... Todo esse tempo, tu estavas a desenhar-me!
Envergonhado com o flagrante, Klaus apenas enteceu uma desculpa amarelada: — Isso é parte do que chamamos de "perfil psicológico" do paciente...
— Sei...
— É uma técnica... — reponteou o analista, tentando parecer acadêmico. — Geralmente traçamos o perfil do paciente a partir de seus desenhos. Mas, às vezes, os analistas é que desenham os pacientes, para sintetizar seus traços principais...
— Que posso dizer? És o doutor aqui.
Klaus cogitou continuar a explicar-se, mas temeu enredar-se ainda mais. Tratou de mudar de assunto, mas o assunto que o distraía não saiu de si:
— É um magnífico tesouro este que o Senhor possui... Por que desejaria desfazer-se dele?
— Quero e não quero, esse é o problema! Pois não sei o que fazer com ele, além de guardá-lo para admirá-lo.
Klaus meneou como se entendesse bem o relato do dragão, pois ele mesmo já admirava sem sustar a atenção uma bela coroa que jazia próxima. O dragão notou e comentou:
— Ela não é excepcional? Esta é a Coroa de Carlos Magno, a original. Seu filho, Luís I, que a me ofereceu em tributo, há 1200 anos.
O objeto era terrivelmente magnético.
— Mas como isso é possível? A Coroa de Carlos Magno foi perdida durante a Revolução Francesa.
— A que se perdeu era uma réplica de menor quilatação, feita para distrair a corte... A verdade é a seguinte: eu era um dragão adolescente e caçava muito mais ovelhas do que hoje em dia. O monarca Luís I julgou que apenas um tributo muito valioso me manteria fascinado e longe de suas terras...
O bloquinho de notas foi seu artifício para desviar da coroa e retomar a análise. Retomou os rascunhos, mas desta vez desenhando a regalia sacro-romana.
— Fale-me um pouco mais sobre essas outras peças de valor. Há outras?
— Incontáveis! Tenho castiçais da velha Britânia, gemas provenientes desde a Gália até a China, o cetro de Teodorico, prataria persa, dois braceletes que foram usados por Eleanor de Aquitânia, ah, que dama mais inesquecível!
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O Dragão e o Analista
FantasyApós hibernar por um século, um enorme dragão vermelho acorda na cidade de Mitteltal, no Sul da Alemanha, trazendo pânico ao local. Para interromper os ataques às fazendas, ele exige que a cidade lhe envie um interlocutor que entenda as dores e os m...