VI

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A reação do dragão não podia deixá-lo mais corajoso: — Tento me ajustar ao paciente... Agora, fale-me sobre seus pais.

A voz do dragão, galhofeira, por um momento modulou para um tom mais grave e clangoroso: — Papai era um bom dragão... Mas foi assassinado por aquele cavaleiro romano, o que dizem ser santo. Ah, nunca superei isso...

O depoimento siderou o analista, que tentou balbuciar condolências; mas o dragão já se recuperava e dizia:

— Já mamãe é calorenta... Prefere viver nas montanhas do Himalaia. Tss, temos uma relação um tanto fria, eu diria. Anotaste tudo o que contei?

— É... Bem... O essencial, por assim dizer. — E logo o desconforto retornou, pois temeu que o dragão tivesse percebido sua distração com os objetos que se encontravam na caverna.

— Posso ver? Sempre tive curiosidade em saber o que Sigmund anotava sobre mim.

Klaus tentou se esquivar, mas o dragão era muito ágil e logo seu pescoço dava a volta e ele se encontrava olhando pelas suas costas.

— Ora, que bonitinho... Todo esse tempo, tu estavas a desenhar-me!

Envergonhado com o flagrante, Klaus apenas enteceu uma desculpa amarelada: — Isso é parte do que chamamos de "perfil psicológico" do paciente...

— Sei...

— É uma técnica... — reponteou o analista, tentando parecer acadêmico. — Geralmente traçamos o perfil do paciente a partir de seus desenhos. Mas, às vezes, os analistas é que desenham os pacientes, para sintetizar seus traços principais...

— Que posso dizer? És o doutor aqui.  

Klaus cogitou continuar a explicar-se, mas temeu enredar-se ainda mais. Tratou de mudar de assunto, mas o assunto que o distraía não saiu de si:

— É um magnífico tesouro este que o Senhor possui... Por que desejaria desfazer-se dele?

— Quero e não quero, esse é o problema! Pois não sei o que fazer com ele, além de guardá-lo para admirá-lo.

Klaus meneou como se entendesse bem o relato do dragão, pois ele mesmo já admirava sem sustar a atenção uma bela coroa que jazia próxima. O dragão notou e comentou:

— Ela não é excepcional? Esta é a Coroa de Carlos Magno, a original. Seu filho, Luís I, que a me ofereceu em tributo, há 1200 anos.

O objeto era terrivelmente magnético.

— Mas como isso é possível? A Coroa de Carlos Magno foi perdida durante a Revolução Francesa

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— Mas como isso é possível? A Coroa de Carlos Magno foi perdida durante a Revolução Francesa.

— A que se perdeu era uma réplica de menor quilatação, feita para distrair a corte... A verdade é a seguinte: eu era um dragão adolescente e caçava muito mais ovelhas do que hoje em dia. O monarca Luís I julgou que apenas um tributo muito valioso me manteria fascinado e longe de suas terras...

O bloquinho de notas foi seu artifício para desviar da coroa e retomar a análise. Retomou os rascunhos, mas desta vez desenhando a regalia sacro-romana.

— Fale-me um pouco mais sobre essas outras peças de valor. Há outras?

— Incontáveis! Tenho castiçais da velha Britânia, gemas provenientes desde a Gália até a China, o cetro de Teodorico, prataria persa, dois braceletes que foram usados por Eleanor de Aquitânia, ah, que dama mais inesquecível!

O Dragão e o AnalistaOnde histórias criam vida. Descubra agora