VII

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Klaus tratou de anotar cada item no bloquinho, mas o dragão não parecia interessado em enumerá-los e logo voltou ao queixume.

— Conversei longamente sobre meu dilema com Sigmund. Cheguei a querer livrar-me de todos esses objetos de uma só vez, ficar-me livre dessa tentação. Poderia sair desta caverna, ir morar numa ilha do Sul. Mas Sigmund pediu-me cautela.

— Por que ele sugeriu isso? — questionou o analista, incapaz de entender tamanho desapego.

— Disse que não seria bom para a economia que uma grande quantidade de ouro fosse despejada assim no mercado de um dia para o outro... Que afetaria as nações, causaria desvalorização do padrão monetário em todo o mundo.

Klaus balançou a cabeça em negação, teimosamente. Ah, o velho Freud! Só mesmo ele para raciocinar assim, tão lógica e friamente, diante do maior dos tesouros. Por isso que ele considerava Freud ultrapassado...

— Ah, mas Freud está ultrapassado... Na psicologia, o lance agora é a Gestalt. E mesmo a economia mudou muito no último século. Não se usa mais o padrão-ouro. — Declarou, tentando sossegar o dragão. — Não haveria grandes problemas no mundo se o senhor se desfizesse de sua fortuna.

— Ora, isso é uma novidade para mim! Não usam mais o ouro como referência? O que usam então?

A resposta veio rápida e animada: — Há vários papéis e moedas, mas o que importa mesmo são dólares! Ah, e bitcoins!

O dragão comprimiu as mandíbulas, enquanto tentava entender o que ouvia.

— Não vejo muito sentido em acumular papéis. Por que alguém preferiria papéis a metais? Papéis não reluzem e ainda podem pegar fogo! E o que é esse bitcoin?

Nada deixava Klaus mais contente do que discursar sobre investimentos do mundo globalizado. Consumir dados e notícias econômicas era seu principal passatempo.

— Há dólares em papel-moeda, mas a economia não funciona mais assim. O valor simbólico do dinheiro pode ser guardado em um banco e, a partir daí, movimentado para toda parte através de operações eletrônicas. Não é mais preciso ter o dinheiro em mãos, basta que alguma instituição financeira ateste que temos o correspondente àquele valor... E, quanto ao bitcoin, é algo ainda mais revolucionário! Nesse caso, o valor pode ser guardado em qualquer meio digital e transferido virtualmente para outra pessoa sem a necessidade de instituição financeira, nem de pagamento de impostos para esses governos corruptos! Só precisa ter um acesso à internet.

— Isso parece muito complicado... Deu-me dor de cabeça só de ouvir. — O pânico agora parecia instaurar-se no dragão, ante a modernidade que bania suas referências habituais.

— Eu posso ajudá-lo a investir, se quiser... Não precisaria se livrar de seu tesouro de uma só vez. Pode ir comprando aos poucos algumas ações, assim não sentiria tanto a falta dessas lindas peças com as quais conviveu por tanto tempo.

— Farias isso por mim? É muita gentileza. — E um genuíno esboço de sorriso ameigou-lhe a temível carranca.

Klaus tossiu, mas tentou dizer o essencial: — Cobro uma pequena comissão em cada uma dessas operações, mas não é nada com que se preocupar. Seu tesouro estaria protegido, transformado em moeda virtual. Você poderia acessá-lo de qualquer canto, inclusive se quiser se mudar para uma ilha do Sul.

— Isso pode ser uma solução, talvez... Desangustia-me um pouco. — Coçou pensativamente a mandíbula inferior com uma das unhas da pata esquerda, antes de continuar: — E quanto a ti? Tens alguns desses bitcoins?

— Sim! Tenho alguns, certamente! Menos do que gostaria... Mas quem se satisfaz com pouco, não é verdade?

— Entendo... E o que garante a manutenção do valor deles?

— Uma ótima pergunta! É a expectativa dos demais investidores o que mantém tudo funcionando. Enquanto eles continuarem buscando essa moeda virtual, mais ela valerá. Assim, cabe a nós que temos bitcoins falar sempre sobre bitcoins, para que mais pessoas busquem comprar bitcoins e o valor do bitcoin cresça.

— É um tesouro imaginário, então?

— Bem, não exatamente! Seria tão real quanto o senhor é, embora a maioria pense que dragões sejam apenas fruto da imaginação.

— Gostei da analogia, haha!

Outra risada! Bingo!

O Dragão e o AnalistaOnde histórias criam vida. Descubra agora