Algum desconforto o assolou à medida que se aproximava da entrada da furna. O odor ao redor, sulfuroso e abominável, como se cadáveres estivessem expostos, não demorou a se fazer compreendido, quando ele pisou, por descuido, na carcaça semicarbonizada de um animal. Só então sentiu medo, medo genuíno, o mesmo terror dos contos da infância concentrados num único evento a sua espera. Lembrou-se dos jovens que fotografaram o dragão; esquecera-se de perguntar na cidade o que lhes ocorrera, tão zombeteiro que estava.
O recinto era fracamente iluminado. Klaus foi entrando, a passos de gato escaldado. O extintor de incêndio ia a postos, pronto para disparar, se fosse preciso. O silêncio, titânico, aquele prenúncio de um bote; ou era ele que ficara surdo de tanto alerta?
— Olá! — seu cumprimento, tímido, morreu na densa penumbra da caverna, sem resposta imediata. Ele o repetiu, um pouco mais incisivamente.
E então algo pareceu mover-se, no meio da escuridão. Um brilho ou dois, pequenos fátuos de luz. Lanternas? Dois olhos? Logo sumiram. Mas sombras se moviam com destreza na parede oposta da caverna. E foi ouvindo ruídos de passos de estrondo, metal em escamas, que se tornavam mais e mais próximos. Seus cabelos se eriçaram e o coração se perdeu arritmado. Tomado de desespero, gritou freneticamente enquanto descarregava a esmo jatos do extintor.
Uma longa, profunda risada o fez voltar a si.
— Ai, meu Deus! Socorro! Que...quem está aí?
De súbito, uma cabeça calombada se assomou para além da área mais escura, ficando parcialmente visível. Era um enorme rosto draconiano. Seu olhar fincou-o como lança, exigindo ser observado.
— Ora, estou em meus aposentos! Há de ser eu a perguntar quem cá entrou e tentou fazer-me espirrar com esse pó branco. Ou talvez eu devesse retribuir a aparente hostilidade, não achas?
Percebendo o ridículo de seu ataque e o risco que corria, o analista tentou se recompor, largando às pressas ao chão o extintor. Com as pernas molhadas de medo, conseguiu responder:
— Não, por favor! Desculpe minha falta de educação! Meu nome é Klaus... Dr. Klaus Geldgierig. Sou de Hamburgo... Vim como conciliador da cidade de Mitteltal, tal como você..., digo, tal como o Senhor exigiu...
O dragão deu um passo adiante, para fora das sombras. Era grande, com 4 ou 5 metros de altura. Seu cheiro não era nada melhor do que aquele fora da caverna. A pele, avermelhada, era escamosa, com dobras bem marcadas, portando várias pequenas protuberâncias de aspecto rígido, no centro de cada escama. A cabeça trazia 4 chifres: dois menores à testeira, pouco acima dos olhos, e dois outros nas laterais, próximo às orelhas. Sua mandíbula era grande o bastante para abocanhar um cavalo ao meio.
— Que espécie de pároco és tu? Onde está tua batina? Entendes sobre as dores e a escuridão que habita a alma dos seres? — questionou o dragão, intrigado.
Klaus estava encantado pelo terror. Já descartava a hipótese da fraude; todavia, como explicar aquilo? Parte de si mal acreditava no que via. Queria tocar o dragão, percebê-lo palpável, embora compreendesse que sua curiosidade científica teria de dar espaço ao impulso de sobrevivência.
— S-sim! Sou um psicanalista, um psicólogo. Minha especialidade é ouvir as pessoas e ajudá-las. Por isso enviaram-me. — Se mantivesse a conversa em nível profissional, talvez conseguisse disfarçar melhor o pânico.
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O Dragão e o Analista
FantasiApós hibernar por um século, um enorme dragão vermelho acorda na cidade de Mitteltal, no Sul da Alemanha, trazendo pânico ao local. Para interromper os ataques às fazendas, ele exige que a cidade lhe envie um interlocutor que entenda as dores e os m...