III

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Algum desconforto o assolou à medida que se aproximava da entrada da furna. O odor ao redor, sulfuroso e abominável, como se cadáveres estivessem expostos, não demorou a se fazer compreendido, quando ele pisou, por descuido, na carcaça semicarbonizada de um animal. Só então sentiu medo, medo genuíno, o mesmo terror dos contos da infância concentrados num único evento a sua espera. Lembrou-se dos jovens que fotografaram o dragão; esquecera-se de perguntar na cidade o que lhes ocorrera, tão zombeteiro que estava.

O recinto era fracamente iluminado. Klaus foi entrando, a passos de gato escaldado. O extintor de incêndio ia a postos, pronto para disparar, se fosse preciso. O silêncio, titânico, aquele prenúncio de um bote; ou era ele que ficara surdo de tanto alerta?

— Olá! — seu cumprimento, tímido, morreu na densa penumbra da caverna, sem resposta imediata. Ele o repetiu, um pouco mais incisivamente.

E então algo pareceu mover-se, no meio da escuridão. Um brilho ou dois, pequenos fátuos de luz. Lanternas? Dois olhos? Logo sumiram. Mas sombras se moviam com destreza na parede oposta da caverna. E foi ouvindo ruídos de passos de estrondo, metal em escamas, que se tornavam mais e mais próximos. Seus cabelos se eriçaram e o coração se perdeu arritmado. Tomado de desespero, gritou freneticamente enquanto descarregava a esmo jatos do extintor.

Uma longa, profunda risada o fez voltar a si.

— Ai, meu Deus! Socorro! Que...quem está aí?

De súbito, uma cabeça calombada se assomou para além da área mais escura, ficando parcialmente visível. Era um enorme rosto draconiano. Seu olhar fincou-o como lança, exigindo ser observado.

— Ora, estou em meus aposentos! Há de ser eu a perguntar quem cá entrou e tentou fazer-me espirrar com esse pó branco. Ou talvez eu devesse retribuir a aparente hostilidade, não achas?

Percebendo o ridículo de seu ataque e o risco que corria, o analista tentou se recompor, largando às pressas ao chão o extintor. Com as pernas molhadas de medo, conseguiu responder:

— Não, por favor! Desculpe minha falta de educação! Meu nome é Klaus... Dr. Klaus Geldgierig. Sou de Hamburgo... Vim como conciliador da cidade de Mitteltal, tal como você..., digo, tal como o Senhor exigiu...

O dragão deu um passo adiante, para fora das sombras. Era grande, com 4 ou 5 metros de altura. Seu cheiro não era nada melhor do que aquele fora da caverna. A pele, avermelhada, era escamosa, com dobras bem marcadas, portando várias pequenas protuberâncias de aspecto rígido, no centro de cada escama. A cabeça trazia 4 chifres: dois menores à testeira, pouco acima dos olhos, e dois outros nas laterais, próximo às orelhas. Sua mandíbula era grande o bastante para abocanhar um cavalo ao meio.

— Que espécie de pároco és tu? Onde está tua batina? Entendes sobre as dores e a escuridão que habita a alma dos seres? — questionou o dragão, intrigado.

Klaus estava encantado pelo terror. Já descartava a hipótese da fraude; todavia, como explicar aquilo? Parte de si mal acreditava no que via. Queria tocar o dragão, percebê-lo palpável, embora compreendesse que sua curiosidade científica teria de dar espaço ao impulso de sobrevivência.

— S-sim! Sou um psicanalista, um psicólogo. Minha especialidade é ouvir as pessoas e ajudá-las. Por isso enviaram-me. — Se mantivesse a conversa em nível profissional, talvez conseguisse disfarçar melhor o pânico.

O Dragão e o AnalistaOnde histórias criam vida. Descubra agora