V

60 5 3
                                    

— Para efeitos de registro, o Senhor... ahmm, poderia dizer seu nome?

O dragão deu um passo a frente e esticou o pescoço, aproximando a cabeça a Klaus, para lhe segredar algo, com um sorriso de esfinge:

— Se eu te dissesse, teria de matar-te.

Ainda sentado e agora em pânico, o analista afastou-se depressa, como pôde, rastejando de bunda, fazendo o dragão troar em gargalhadas:

— Haha, é uma piada de dragão! Somos muito brincalhões, não estranhes. Já me chamaram de muitas coisas, quase sempre impublicáveis. Podes chamar-me como quiseres.

Klaus tentou rir, mas o coração em galope não lhe permitiu apreciar o gracejo. Respirou mais fundo, aprumou as costas e voltou o olhar ao bloquinho de notas, controlando o tremor da voz:

— Certo! Bem, Senhor Dragão, sobre o que gostaria de falar? O que o perturba?

A fera fez um rosto levemente entristecido antes de começar:

— Minha vida é muito tediosa. Eu durmo muito. Quando acordo, preciso me alimentar. Caço aqui e ali, os camponeses ficam alarmados e mandam homens em armas para me ferir. Chegam sempre com bravura, muitos projéteis e fumaça... Até que essa parte é divertida... Tem um lance de ação, sabes? Eu me sinto empolgado quando os ponho para correr... Mas logo os governantes percebem que isso não dá certo, ficam ainda mais alarmados e tentam comprar minha boa vontade com tributos. Eu os aceito sem protestar, pois só assim teria um pouco de paz.

Klaus rascunhava no bloquinho, enquanto o dragão prosseguia:

— Se fossem menos impacientes, aguardariam eu voltar a dormir sem que fosse preciso me ofertar nada. Mas os homens são muito imediatistas, querem resolver seus problemas a qualquer preço, no menor tempo possível. E foi assim que juntei esse vasto tesouro. Mas, não penses que me oferecem miçangas e espelhos, não...

Algo chamou a atenção do analista. Talvez fosse sua retina, cada vez mais acostumada à penumbra da caverna, ou algo que o dragão dissera. De súbito, como se um véu se lhe abrisse, Klaus deu-se conta de que estava cercado de objetos de brilho diáfano. Olhou mais longamente e percebeu que era um tesouro, um vasto tesouro, um tesouro formidavelmente digno de um dragão lendário, o qual continuava a expor seus dilemas:

— ... E não importa a época. Sempre me enviam ouro, jóias e outros metais e artefatos muito nobres. Não me servem de nada, mas são tão lindos! Fiquei apegado demais a eles, adoro vê-los e lembrar das histórias de cada um.

Sim, são tão bonitos! Esforçava-se para manter atenção ao testemunho do paciente, mas o tesouro o distraía, ao mesmo tempo que erodia seu medo.

— Sinto que ele está me deixando muito perverso e esquivo. Temo que ladrões venham e me tomem tudo... Até tenho longos pesadelos deste tipo enquanto durmo. Tens ideia do que seja um pesadelo que chega a durar cem anos? Cada vez acordo mais cheio de dúvidas e mal me arrisco a voar para outras terras, como fiz na minha juventude... Por que estou tão fixado assim? O que achas? Talvez eu devesse me desfazer desse tesouro, pois meu próprio corpo dói de tanto que durmo sobre essas coisas. Talvez eu devesse ter uma vida mais frugal e pastoril. Afinal, sempre amei ovelhas.

— Tostadas?...

A intervenção do analista fez o dragão se calar momentaneamente. Klaus só a fez porque começava a se sentir à vontade, ousando atravessar a barreira da conversação com um comentário que apelava à maior intimidade. A pausa foi rápida, que logo a fera ria:

— Haha, claro! Noto que também gostas dum chiste!

O Dragão e o AnalistaOnde histórias criam vida. Descubra agora