— Para efeitos de registro, o Senhor... ahmm, poderia dizer seu nome?
O dragão deu um passo a frente e esticou o pescoço, aproximando a cabeça a Klaus, para lhe segredar algo, com um sorriso de esfinge:
— Se eu te dissesse, teria de matar-te.
Ainda sentado e agora em pânico, o analista afastou-se depressa, como pôde, rastejando de bunda, fazendo o dragão troar em gargalhadas:
— Haha, é uma piada de dragão! Somos muito brincalhões, não estranhes. Já me chamaram de muitas coisas, quase sempre impublicáveis. Podes chamar-me como quiseres.
Klaus tentou rir, mas o coração em galope não lhe permitiu apreciar o gracejo. Respirou mais fundo, aprumou as costas e voltou o olhar ao bloquinho de notas, controlando o tremor da voz:
— Certo! Bem, Senhor Dragão, sobre o que gostaria de falar? O que o perturba?
A fera fez um rosto levemente entristecido antes de começar:
— Minha vida é muito tediosa. Eu durmo muito. Quando acordo, preciso me alimentar. Caço aqui e ali, os camponeses ficam alarmados e mandam homens em armas para me ferir. Chegam sempre com bravura, muitos projéteis e fumaça... Até que essa parte é divertida... Tem um lance de ação, sabes? Eu me sinto empolgado quando os ponho para correr... Mas logo os governantes percebem que isso não dá certo, ficam ainda mais alarmados e tentam comprar minha boa vontade com tributos. Eu os aceito sem protestar, pois só assim teria um pouco de paz.
Klaus rascunhava no bloquinho, enquanto o dragão prosseguia:
— Se fossem menos impacientes, aguardariam eu voltar a dormir sem que fosse preciso me ofertar nada. Mas os homens são muito imediatistas, querem resolver seus problemas a qualquer preço, no menor tempo possível. E foi assim que juntei esse vasto tesouro. Mas, não penses que me oferecem miçangas e espelhos, não...
Algo chamou a atenção do analista. Talvez fosse sua retina, cada vez mais acostumada à penumbra da caverna, ou algo que o dragão dissera. De súbito, como se um véu se lhe abrisse, Klaus deu-se conta de que estava cercado de objetos de brilho diáfano. Olhou mais longamente e percebeu que era um tesouro, um vasto tesouro, um tesouro formidavelmente digno de um dragão lendário, o qual continuava a expor seus dilemas:
— ... E não importa a época. Sempre me enviam ouro, jóias e outros metais e artefatos muito nobres. Não me servem de nada, mas são tão lindos! Fiquei apegado demais a eles, adoro vê-los e lembrar das histórias de cada um.
Sim, são tão bonitos! Esforçava-se para manter atenção ao testemunho do paciente, mas o tesouro o distraía, ao mesmo tempo que erodia seu medo.
— Sinto que ele está me deixando muito perverso e esquivo. Temo que ladrões venham e me tomem tudo... Até tenho longos pesadelos deste tipo enquanto durmo. Tens ideia do que seja um pesadelo que chega a durar cem anos? Cada vez acordo mais cheio de dúvidas e mal me arrisco a voar para outras terras, como fiz na minha juventude... Por que estou tão fixado assim? O que achas? Talvez eu devesse me desfazer desse tesouro, pois meu próprio corpo dói de tanto que durmo sobre essas coisas. Talvez eu devesse ter uma vida mais frugal e pastoril. Afinal, sempre amei ovelhas.
— Tostadas?...
A intervenção do analista fez o dragão se calar momentaneamente. Klaus só a fez porque começava a se sentir à vontade, ousando atravessar a barreira da conversação com um comentário que apelava à maior intimidade. A pausa foi rápida, que logo a fera ria:
— Haha, claro! Noto que também gostas dum chiste!
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O Dragão e o Analista
FantastikApós hibernar por um século, um enorme dragão vermelho acorda na cidade de Mitteltal, no Sul da Alemanha, trazendo pânico ao local. Para interromper os ataques às fazendas, ele exige que a cidade lhe envie um interlocutor que entenda as dores e os m...