arcturus

226 28 5
                                    

"Conhecer alguém aqui e ali que pensa e sente como nós, e que embora distante, está perto em espírito, eis o que faz da Terra um jardim habitado."

Me mudei para o Alabama por conta de uma situação que agi um tanto por impulso. Eu tinha me formado já fazia um bom tempo e dava aula para as crianças do maternal era um tanto estressante, mas eu sabia lidar e me comunicar bem com eles. Eu trabalhava lá com uma americana que morava no Alabama e estava em Londres com um visto de trabalho. Ela sempre me contava coisas sobre sua cidade e como as coisas eram diferentes lá, eu me interessava muito por isso, pois a cultura de diferentes lugares sempre foi algo que tive interesse. Então certa vez, após sair da escola, entrei na internet e comecei a procurar sobre o Alabama, as coisas de lá, e foi aí que acabei me esbarrando na escola em que dou aula hoje; eles estavam com vagas de emprego abertas e a data de entrega de currículos ainda estava aberta, foi então que comprei minha passagem para o Alabama atrás de conseguir a vaga. Felizmente tudo deu certo e eu tive que voltar para Londres só para organizar a papelada e pegar o resto das minhas coisas.

Durante a aula me peguei lembrando disso, de quando tive que me mudar para o Alabama e deixar a minha família em Londres. Foi uma das coisas mais difíceis que tive que fazer, as pessoas têm razão quando dizem que só damos valor para as pessoas quando perdemos, nunca fui uma pessoa de demonstrar muito carinho e afeto aos meus familiares, muito menos de visitar e mandar mensagem, depois da minha mudança notei que faço isso frequentemente. Quando estava no aeroporto vindo pra cá, meu pai me deu um Atlas gigantesco, com diversas imagens e informações, ele me disse "isso aqui filha, é porque você merece o mundo inteiro" e foi o melhor presente que eu já recebi na vida inteira. Sinto uma vontade estranha de mostrá-lo pra Kile, então anoto mentalmente em revirar o meu guarda-roupa quando eu voltasse para o apartamento.

Depois que a aula termina, recolho minhas coisas e vou para a sala dos professores conversar um pouco com eles, coisa que não faço quase nunca, então saiu da mesma dando de cara com a pessoa que eu menos esperava apoiada no portão.

— Eu não me atrasei né britânica chata? — Kile pergunta e eu acho estranho como ele me sentiu chegando, já que ele tecnicamente, verdadeiramente não enxerga. Sorriu largamente achando loucura mas muito legal.

— O que você está fazendo aqui? — digo chegando mais perto dele e apoiando meu braço no portão.

— Vim buscar minha amiga para tomar um café. — ele respondeu e eu solto uma risada pelo nariz. Então o mesmo posiciona o braço, que não segura o bastão, como se indicando para eu enganchar. — Vamos?

— É claro! — sorriu e engancho meu braço no do mesmo começando a andar. — Quer saber quão bonito o céu está hoje? 

— Se estiver disposta a me dar esse prazer. — ele diz.

— Está claro e muito aberto, mas não tão azul como o de ontem, a claridade vem por conta do sol quente que fica ainda mais forte por conta da falta de nuvens. O clima é agradável, é uma tarde de verão. — descrevo observando o céu tentando não cair no meio da rua.

— Isso me lembra de crianças brincando na rua. — ele diz.

— E velhinhas alimentando pombas na praça e fazendo fofoca. — completo e ele concorda com um "yeah" empolgado.

Caminhamos rindo e conversando até a cafeteria que eu sempre frequento, peço o latte de sempre e ele pedi um sundae muito esquisito. Nos sentamos na "minha" mesa enquanto continuamos com a papo do caminho.

— Mas falando sério... Como você descobriu onde eu trabalho? — pergunto Logo em seguida dando uma golada no meu café.

— Você me disse no nosso primeiro encontro que trabalhava na escola no fim da rua, dando aula pra terceira série e eles eram uns pestinhas. — ele diz rindo e eu coloco a mão no rosto constrangida. — Você costuma passar informações assim pra todo mundo que você acabou de conhecer? Eu poderia ser um sequestrador.

— Eu sei foi péssimo, foi horroroso, aí meu Deus, eu coloquei minha vida em risco. — digo exagerada fazendo ele rir mais. — Não ri de mim.

— É fofo. — ele diz de forma gentil e come um pouco do seu sundae.

— Sabe o que eu acho, Kile? Que temos que nos conhecer melhor. — eu digo.

— Concordo, o que você sugeri?

— Temos que sair juntos. — dou de ombros. — Mas de um jeito diferente, vamos fazer um rodízio. Um dia eu escolho o passeio, e no outro você escolhe.

— Por mim tudo bem, quer dizer, porque não né? Vai ser divertido. — ele encosta no apoio de costas da cadeira.

— Não é? — pergunto animada. — Mas você tem que começar, sério isso é uma regra!

— Ei porque?

— Porque eu to muito curiosa pra saber o que você faz no dia a dia, onde vai e tudo mais. 

— Quer saber o que um cego faz porque com certeza é bem diferente dos não-cegos? — ele pergunta e minha empolgação some na hora. — Ei eu to brincando, é só brincadeira. 

— É eu sei, é claro. — forço uma risada pois sinto que vacilei falando aquilo e fico com medo de te-lo ofendido de alguma forma. 

— Eu posso começar sim e já até sei para o primeiro lugar que vamos. — ele diz e eu bato palmas. — Quando isso começa?

— Que tal... Na quarta? Tudo bem pra você? — arqueio a sobrancelha.

— Tudo ótimo pra mim. — ele sorri.

saturnOnde histórias criam vida. Descubra agora