capella

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"Não há uma versão da minha vida que não tenha você nela."

— Sabe porque eu gosto tanto de andar à noite? — pergunto pra Kile caminhando ao seu lado. — Porque é sempre tão bonito, nós faz pensar tanto sobre o universo.

Eu e Kile estávamos indo ao cinema agora, era a vez do mesmo escolher o nosso destino, eu não sabia que filme assistiríamos ou qualquer coisa do tipo, mas estava muito curiosa. Minha curiosidade se atiçava ainda mais pelo fato de que Kile é cego então era estranho pensar em como ele assistiria ao filme, será que existe um óculos especial ou algo do tipo? Eu sei lá, nunca tive que parar para pensar nisso.

— O que quer dizer com isso? — ele me pergunta.

— Eu não sei, ele não te inspira de alguma forma? O céu é sempre tão bonito independente de como esteja. — digo olhando de relance para ele para não cair no chão. — Por exemplo, hoje ele está nublado e as estrelas se esconderam, mas isso não significa que ela morreram.

— Continue... — ele disse tão baixo que quase não escutei.

— Mesmo estando um clima tão ameno e escuro essa noite ela continua muito linda, me faz pensar que é realmente incrível o fato de simplesmente existirmos não? — pergunto virando meu olhar para o mesmo que sorri largamente.

— Claro que sim!

Continuamos caminhando até o cinema que não é longe dali. Quando chegamos digo para irmos na fila preferencial mas Kile insisti em ficarmos na grande fila, e me pedi ajuda para ele não bater seu bastão em ninguém. Compramos ingressos para um filme francês dublado sobre a vida no campo, ou algo do tipo. Comprei uma pipoca grande pra dividirmos por mais que Kile batesse de pé junto que não estava com fome, mas tinha certeza que só fazia isso pois já me disse que odeia comer em público. Ficamos nas últimas poltronas da sala de cinema, o que eu achei ótimo já que esses são sempre os melhores lugares, a visão é bem melhor e não tem cabeça nenhuma na sua frente para atrapalhar.

— Esse é um dos meus lugares favoritos, eu sempre vejo aqui. — Kile sussurra pra mim, e eu fico pensando se ele se referi ao cinema ou as poltronas.

— Você já tinha lido sobre esse filme? — sussurro de volta para não atrapalhar os outros ali.

— Esqueci o filme Ash, isso é só imagens, estamos indo mais junto.

— Eu não consigo entender. — digo confusa enquanto como algumas pipocas sortidas do grande balde.

— Eu não enxergo nada aqui além de um grande breu como em qualquer outro lugar. — ele sussurra no meu ouvido se aproximando de mim e eu sinto um arrepio esquisito. — Mas sabe porque eu venho aqui?

— Pelo barulho dos casais se engolindo? — solto uma piada tentando não demonstrar meu nervosismo com a aproximação. Ele solta uma risada espontânea pelo nariz.

— Você é terrível. — ele diz e eu sorriu de canto. — É claro que não, isso também tem em qualquer lugar.

— Então porque? O que o cinema tem de tão especial? 

— Quando estou sentado aqui nessa poltrona grande e macia ouvindo a voz dos personagens do filme sem nem fazer ideia de quem são ou onde estão me faz imaginar tantas coisas. — ele diz. — É daqui que vem minha inspiração para minhas pinturas, eu simplesmente fico aqui ouvindo e imaginando o filme da forma que eu quero, ele sendo assim ou não.

— E sempre funciona? — pergunto interessada.

— Sim, sempre. — ele respondi tranquilo. — Não sei se sabe Ashlee mas quando não vemos as coisas não temos no que nos basear, então quando nos dizem alguma coisa nós imaginamos como bem entendemos. Isso é ciência.

— Isso é ciência. — sussurro fazendo uma voz mais grossa imitando o mesmo. Kile sorri largamente fazendo um sorriso surgir no meu rosto também. — Eu vou te acompanhar nessa, pra confirmar a teoria.

— O que? 

— É isso, vou ficar de olhos fechados o filme inteiro e ver como me saio. — sorriu orgulhosa de mim mesma.

— Tudo bem, então vamos lá britânica chata. Só não vale dormir. — ele respondi e eu caiu na gargalhada logo me recompondo para não atrapalhar os outros.

Ele parece atento ao filme, ou as falas dele, mas por alguns minutos só consigo ficar o observando o quão lindo seu rosto é de perfil, sua barba sempre bem feita, o corte do seu cabelo que combina tanto com seu rosto em um formato peculiar; fico imaginando o quão idiota ele me acharia agora se pudesse me ver o observando no escuro do cinema. Assim que paro de me perder em meus pensamentos fecho meus olhos e encosto minha cabeça no encosto da poltrona, somente ouvindo o filme inteiro e eu tenho que admitir que ficou ainda mais interessante, eu via tudo todos os movimentos, os cenários, os atores, as cenas, tudinho... Mesmo sem enxergar.

                                                      (********)

— E aí o que você achou? Confirmou a teoria? — Kile me pergunta assim que o filme terminou e as luzes já ligaram a um tempo, mesmo que continuássemos no cinema já que eu derrubei o resto do meu balde de pipoca inteiro no chão e agora eu pegava uma por uma do carpete para jogar no lixo.

— Fantástico eu não sabia que seria ainda mais emocionante, aí meu Deus não conhecia esse lado tão profundo da minha imaginação eu já me sinto uma escritora famosa de ficção. — digo empolgada colocando as pipocas sujas no balde e ele ri. — O que foi?

— É fofo te ver assim. — ele diz.

— Catando pipoca do carpete? Você é um monstro, esse negocio é um inferno pra sair ele gruda todo no chão, além do lanterninha estar me encarando na porta. — digo resmungando.

— Não né, eu nem consigo te enxergar fazendo isso, não sei se sabe mas eu ainda continuo um cara cego. To dizendo sobre sua empolgação com o filme... É fofo, bem infantil. — ele diz sorrindo e eu sorriu também.

— Ah sim. — falo mais baixo. — Foi um filme fantástico ótima escolha. Me diz como você imaginou a protagonista?

— Morena, ela com certeza é morena com o cabelo todo cheio de cachos e está sempre de coque. — ele diz.

— Não blasfeme. — eu digo jogando pipoca no mesmo que dá risada. — Ela deve ser ruiva e usar rabo de cavalo, isso está claro combina mais com ela.

— Você não sabe o que diz britânica chata, eu sou muito mais experiente nisso do que você. — ele fala e eu riu pelo nariz.

Depois que eu terminei de limpar o carpete saímos do cinema, passamos tomar uma raspadinha na loja ao lado e eu acabei congelando meu cérebro o que foi horrível e me causou uma dor de cabeça daquelas mais tarde. Encontramos uma cabines de fotos e tiramos uma porção delas, ficou um amorzinho guardei na minha carteira para carregar elas ali dali em diante. Continuamos o resto da noite discutindo para ver quem tinha razão sobre a aparência da protagonista do filme, e só quando voltei pra casa descobri que nenhum de nós tinha razão ela era loira e em parte alguma do filme tinha usado o cabelo preso, só usava ele solto. Assisti o filme depois, de olhos abertos, mas não aguentei tive que fecha-los do meio para o fim, assim era muito mais emocionante. Não consegui parar de pensar em Kile o resto da noite, em o quanto eu me diverti com ele e como ele fazia eu me sentir única, tínhamos uma ligação muito especial e eu só torcia para adormecer logo para encontrá-lo no outro dia.

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