Pisando em gelo fino

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Xiao Rou

Alguns dias se passaram desde o beijo na festa e os boatos rondavam o campus passava pelos corredores e a conversa cessava, mas logo recomeçava assim que me afastava um pouco, Mi Le não se importava e para falar a verdade mesmo que no início foi complicado agora já não me importava mais com tanto que ela ficasse comigo. Durante as aulas sentávamos juntas, e no almoço ficávamos jogando conversa fora perto do lago mais afastado dos outros alunos, era tão incrível ficar ao lado dela que o tempo passava rápido demais, não tinha uma definição para o que estava rolando, mas eu gostava assim, era calmo e nossos "esbarrões" eram aconchegantes.

Com a chegada das provas e trabalhos não estava dormindo direito, tirava o máximo de tempo possível para estudar, meu humor estava horrível mesmo com Mi Le o tempo todo tentando me animar.

-"Xiao Rou vai descansar você está a horas sentada na frente desses livros, dormir também é importante." – Mi Le senta na beirada de minha mesa de estudos e estende um litro de água.

-"Obrigada. – tomo um gole sentindo meu corpo completamente tenso. – Estou bem, preciso estar preparada amanhã vai ter o debate com tema surpresa.".

-"Sabe o objetivo da professora não contar o tema?" – ela levanta uma das sobrancelhas me questionando.

-"Me enlouquecer?"

-"Errado. Ela não falou por que ela quer respostas autenticas, nossas visões e opiniões cruas sem um livro nos dizendo o que é certo ou errado.".

-"Eu preciso passar você sabe disso." – minha voz sai mais rígida do que eu esperava e logo me arrependo disso.

-"Precisa impressionar seus pais, eu entendo. Vou dormir boa noite Xiao Rou." – Mi Le sobe as escadas e deita de costas viradas para mim, meu peito afunda e sem conseguir voltar a prestar atenção nos livros também me deito na cama.

Na manhã seguinte Mi Le não estava na cama e nem no banheiro, ainda me sentia incomodada com minhas atitudes de ontem então, apenas me arrumo e pego minha mochila completamente desanimada com o dia que nem sequer começou direito. Entro na sala e a vejo sentada lendo e com os fones nos ouvidos, fico sem graça de me aproximar, mas por sorte ela me vê e me mostra o assento ao seu lado, fico absurdamente aliviada e vou até ela como se tivesse há dias sem vê-la.

-"Bom dia! Por que saiu tão cedo? Está tudo bem?" – á fuzilo de perguntas e ela larga o livro.

-"Queria estudar e não queria te acordar. Por que não estaria bem? – Mi Le abre o livro e me entrega. – Leia isso, vai ser bem útil no debate de hoje." – fico confusa ao ler o título pensando no que isso se encaixaria em artes.

A professora entra com uma caixinha de nomes e coloca em cima de sua mesa.

-"Espero que ninguém tenha faltado o debate de hoje é muito importante, é a nota do semestre de vocês. Trousse comigo uma caixinha com os nomes de vocês, vai acontecer o seguinte; Vou sortear os nomes e vocês formarão um grupo com quatro pessoas que irão falar sobre um determinado assunto. Entendido? – todos concordamos e ela põe a mão dentro da caixinha. – O primeiro grupo será: Mi Le, Xia Yu Ah, Xiao Han Han e Xiao Rou. – sinto um frio na barriga e para esconder meu nervosismo coloco a mão em baixo da mesa, sou surpreendida quando sinto a mão de Mi Le tocar a minha e logo depois á segurando, me viro para ela que sorri fazendo meu coração acelerar e não pelo debate. – Então os quatro se aproximem, o tema de vocês é "Inclusão Social"".

Nós quatro descemos nos posicionando frente a frente, uma tensão se forma e por alguns segundos ninguém fala nada, a professora limpa a voz e Xiao Han começa.

-"Inclusão social é quando aceitamos estar no mesmo ambiente que essas loiras platinadas, mesmo que o cabelo delas seja horrível. – solto um riso pela garganta e Xiao Han joga o cabelo para o lado como se estivesse em um desfile de rua. – Também envolve "elogiar" essas garotas que pintam o cabelo para se destacar mesmo que não combine nada com elas! Sou muito tolerante professora." – meu estômago embrulha só de ouvir tamanhos absurdos.

-"A inclusão visa dar direito a todos os indivíduos da sociedade sejam eles, negros, brancos, ricos, pobres, homens, mulheres e loiras platinadas." – ouço alguns risos no fundo da sala que logo cessam.

-"Concordo com seu argumento, mas eu acho que se fosse estabelecido um limite á sociedade seria muito melhor, por exemplo, se pessoas cegas, surdas ou mudas andassem com um grupo igualitário e não simplesmente entrasse no espaço que não se encaixa evitariam inúmeras situações de exclusão." – Xia Yu rebate.

-"Se o objetivo é incluir todos as pessoas na sociedade seu argumento não tem fundamento, a partir do momento que você separa um grupo da convivência com outras pessoas tudo vira para o modo automático e gradativamente a "inclusão social" é soterrada por preconceitos e pessoas com visão de vida limitadas." – Mi Le parece irritada, mas meu foco está em Xiao Han que me encara furiosa.

-"Já fazemos demais por respirar o mesmo ar algumas pessoas." – Xiao Han fala mascando o chicle irritantemente.

-"Pensando sobre os banheiros, sabemos que existe o de homens e mulheres, mas e quem nem sabe o que é? Se gostarem de homens, como vamos nos sentir? Isso caracterizaria um enorme desconforto. É fácil falar quando não se sente assediado." – o ambiente fica pesado e Xia Yu sorri com satisfação.

-"Isso não muda o fato de respeitar as escolhas das outras pessoas, e se caso se sentir assim a universidade está á disposição para dar apoio moral ao "orgulho hétero", não precisa agir como se o sol girasse ao seu redor." – Mi Le cospe as palavras e eu estranho seu comportamento incomum.

-"A luta para ser respeitado não é apenas pelos gays e afins, mas por todos e os ataques não acontecem apenas de um lado. Pense em um mendigo, ele pode estar tranquilo deitado na rua, mas aí ele é agredido e morto porem ninguém vai falar em inclusão social, por que ninguém fez nada para que ele não tivesse que passar por isso." – Xia Yu diz e a professora se levanta e se posiciona no meio de nós quatro.

-"Se ele estava no canto dele por que ele foi atacado? O que está dizendo é que se ninguém fizer nada para tirar ele de tal situação, automaticamente dá direito á outras pessoas o matarem? Mesmo que isso seja uma escolha dele, mesmo se ele simplesmente não se importa com as opiniões de quem está de fora?!" – toco o braço de Mi Le e sinto sua pulsação acelerada.

-"Ele poderia se esforçar para se encaixar na sociedade, e afinal ninguém gosta de vagabundos que vivem para tirar o que é de direito dos outros. Quando estão de baixo de sete palmas até os cachorros se comovem e dizem que se importavam, e se "culpam" pelo que deixaram de fazer, "se eu tivesse ajudado?", "se eu tivesse lhe levado para casa e dado um banho ao invés de trocados?". Hipocrisia pura, fingir aceitar para não ser taxado de proclamador do ódio.".

-"As palavras mais verdadeiras são aquelas que falamos quando discursamos o ódio, por que não entende se torna errado, se ele estava lá por total opção sem pedir nada á ninguém e foi "ajudado" logo quem fez a "bondade" se sente um Deus, e a partir do momento que você se transforma no "grande sábio" e acha que conhece tudo o que está ao seu redor começa a menosprezar tudo o que não é igual, e bem lá no fundo sabe que nunca terá a capacidade de sentir o que o outro sente, quando for rejeitado não vai aceitar perder para alguém que para seus conceitos não é nada perto do que você é e seu único recurso vai ser menosprezar, criando rótulos que não existem. – Mi Le se aproxima de Xia Yu e sorri, mas seus olhos estão tão frios que poderia congelar a sala e volta para seu lugar.

-"Okay isso foi interessante, mas vamos para os outros grupos." – a professora faz o novo sorteio e a aula continua com o clima pesado no ar, tanto Mi Le quanto Xia Yu estão em silêncio se encaram sem disfarçar. 

Música: Ban Cocks - So Cold

Boa Leitura! 

Breaking With LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora