tenho um segredo

600 36 4
                                    



Ela passou por mim em seu terninho cor-de-rosa. Sua nádega perfeitamente esculpida debaixo da calça. Nunca desejei tanto alguém na minha vida. Michel aperta, levemente, meu braço.

— Ela não se iguala a você em beleza. — Sussurra com um sorriso estranho em seus lábios, o que sempre acontecia quando ele sorria: era estranho, às vezes até assustador. Dei um sorriso fraco em resposta, acariciando seu braço para que passasse despercebido o nojo que sentia.

O que o vampiro tinha dito era mentira. Michelle não se igualava a ninguém em beleza. Eu era apenas uma qualquer comparada a ela. Ela era estonteante, bela.

Michelle se junta ao desprezível no centro do palanque. Eu apenas admirava suas belas curvas. Como ela se mantinha ereta, com um sorriso no rosto o tempo todo. Era admirável sua força de vontade, afinal, o homem que a acompanhava era a personificação de asqueroso. A multidão gritava, eufórica, o presidente eleito saudou a todos. Fez mais um daqueles discursos sem nexo e falando nada com nada e foi ovacionado. Não acreditava que a população brasileira seria tão burra, mas foi. Entretanto, essa escolha não me afetava. Jair levantou os braços e fez o sinal de arma, apontando para cima. Nesse momento, estava perdida em admirar as costas de Michelle, sua postura impecável frente a todos, mas não duvidava que a multidão repetiu o ato. O que se seguiu, entretanto, chamou minha atenção.

Michelle se virou para mim e deu um sorriso e uma piscadela.

Não sabia dizer se ela me queria como amiga ou como outra coisa que envolvia amizades e outras coisas a mais.

Sorri de volta para ela. E só consegui entender o que estava aconteceu porque estava virada para ela e não olhava para seu corpo.

Jair caiu no chão.

Gritos de terror e medo enquanto o presidente eleito sangrava. Dessa vez não era mentira, igual havia sido em Juiz de Fora. Era verdade. Alguém havia tentado assassinar Jair Bolsonaro.

Michelle se ajoelhou ao lado do marido, com lágrimas nos olhos. Gritava em desespero, a multidão corria para todos os lados a procura do atirador ou de um lugar para se esconder. Não podíamos saber se era um ataque ao presidente eleito ou um ataque a população.

Temer me puxou. Fomos escoltados até um lugar seguro. Fiquei preocupada com Michelle, o outro lá que se fodesse. Não ligava para o que acontecia a ele, mas só de pensar em algo acontecendo a bela moça me causava uma crise.

Esse amor (obsessão) surgiu na primeira reunião que fizemos ao lado de nossos maridos. Planejavam alguma coisa, contudo, não era capaz de escutar uma palavra da conversa. Estava entretida olhando para Michelle, enquanto ela olhava para mim.

Nunca chegamos a fazer nada além de toques suaves e troca de olhares, suspeitava que ela estava num dilema moral muito grande – isso era, acima de tudo, contra o que seu marido pregava; essa atração que sentíamos era proibida. A eleição do presidente foi baseada no ódio ao não heterossexual. Uma pessoa só se junta a outra quando seus ideais são iguais, portanto, é de se esperar que Michelle compartilhasse do mesmo ideal que Jair.

Mais tarde, ficamos sabendo que Jair estava bem. Os canais de comunicação estavam uma loucura. Jornais internacionais noticiavam comparando ao assassinato de seus presidentes. Jair se tornou um mártir. Quem quer que tivesse cometido o ato, teria que se empenhar mais da próxima vez; senão ele voltaria mais forte. Um demagogo que só chegou aonde está pelo amor ao conservadorismo. Nada disso me interessava, entretanto. Pouco me importavam interesses políticos ou ideológicos.

Em minhas redes sociais, via a alegria de alguns pela tentativa de assassinato e a tristeza e ódio de outros. Era interessante ver como toda a sociedade estava dividida.

Os dias que se seguiram foram tumultuados. Nenhum suspeito. Nenhuma pista. Nada. A parte que apoiou Bolsonaro, e que ainda apoia, entrou em desespero pela falta de respostas, chegaram a fazer protestos e vandalizar propriedades. Temer apenas assistia tudo com uma alegria no olhar. Achava que ele pensava que poderia aplicar outro golpe e ficar mais tempo no poder. O que seria bom para ele, só não tenho certeza se seria bom para mim. Teria sim as suas vantagens, mas que contrabalanceava com as desvantagens.

— Alguns estão pedido para que eu volte... — disse uma vez, quando voltávamos de um jantar formal. Deslizou a mão por meus braços descobertos e sussurrou em meu ouvido o que ele achava que era alguma coisa sexy. Eu tinha que embebedar esse velho caduco para fazê-lo dormir, ou teria que "fazer amor" com ele. — Quem sabe eu tento outro golpe? — disse brincando, mexendo em meus cabelos. Me aconcheguei seu peito e fingi dormir.

Ele me acordou quando chegamos em casa, fingi sonolência e resmungava que estava com sono. Isso não o impediu. Enquanto eu rolava nas cobertas fingindo gemer, me questionei o que raios eu estava na cabeça ao aceitar ter qualquer coisa com esse velho raquítico. Fui prometida poder, mas o que ganhei foi apenas alguns admiradores desgraçados e homens me mandando foto de rola quase todos os dias.

Michel saiu de dentro de mim e se jogou na cama ao meu lado, lentamente escutei sua respiração diminuir e começar um leve ressonar. Estava dormindo.

Me levantei e peguei meu celular. Fui ao banheiro e entrei na banheira, querendo tirar a inhaca do velho de mim. Abri a torneira e lentamente deixei que água cobrisse meu corpo. Ainda estava com o celular e abri minhas redes sociais. Fiquei entretida por algum tempo até que as duas horas da manhã em ponto, recebo uma mensagem.

"Oi" diz a mensagem. Logo em seguida, a pessoa do outro lado manda: "Sou eu, a Michelle".

Tremi de excitação. Ela estava conversando comigo. Resolvi pagar de amiga boazinha. Ela nunca havia pedido meu número de celular então deve ter arrumado um jeito de o conseguir, o que me deixou num estado de felicidade. O pensamento dela devendo um favor a alguém apenas para conseguir meu número foi o bastante para me deixar excitada. Não iria perguntar como ela havia conseguido meu número, e falando a verdade, não me importava.

"Oi. Como está?", mandei. Estava preocupada com ela, não com o marido bostão.

"Tá difícil."

"Não se preocupe." mandei com amargura. "Ele vai ficar bem."

"Não me referia a ele."

Engasguei.

"Desculpe? Acho que não entendi."

Eu tinha entendido sim o que ela quis dizer, mas me fiz de desentendida pra ter certeza.

Ela me manda um endereço.

"Quando entender, só me mandar uma mensagem que irei te encontrar nesse endereço." e então ela me manda uma foto.

E eu juro por Deus. Fiquei louca. Perdi minha sanidade.

Se isso fosse mentira iria me prejudicar, mas se fosse verdade eu só tinha a ganhar.

"Que tal agora?" mandei, sem pensar.

Ela me respondeu apenas com um sorrisinho.

primeira-damaOnde histórias criam vida. Descubra agora