aquilo que desprezamos

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Encontrar meu carro foi o menor dos meus problemas, de fato. Não sabia se deveria inventar outra desculpa pela minha fuga na última noite, ou deveria continuar com a mesma e dizer que confundi as palavras. No final, decidi optar pela ideia de que mulheres são histéricas e dizer que tive um surto por causa dos recentes acontecimentos. Fiquei com medo e resolvi respirar um ar puro ou alguma coisa assim, apelar pelos sentimentos. Ser sentimental, não racional.

Pensei que talvez, ser sentimental e não racional, fosse uma resposta ao que estava acontecendo agora. Se eu levasse em conta o lado racional da coisa nunca teria ido ao encontro de Michelle, e como me deixei levar por sentimentos e fui; o fato do encontro se repetir se levado de maneira racional também não iria se repetir. Mas eu tinha que a encontrar de novo, eu tinha que provar. Uma coisa pervertida de se pensar, eu sei. Pensar nela me deixava irracional – não digo isso querendo afirmar que eu era selvagem e responderia aos meus instintos, e somente a eles, digo no sentido de que não consigo pensar numa razão para não continuar (pelo menos não depois do nosso encontro).

Quer dizer, ignorando que traímos nossas famílias, qual era o pecado que cometíamos? Qual o mal que havia em buscar o prazer, prazer este que somente Michelle podia me proporcionar e apenas eu podia proporcionar para ela? Nunca cheguei a pensar qual era o motivo de toda a existência (algo que considero fora do meu conhecimento), mas cheguei numa resposta: ninguém sabe. Então questiono: qual era o problema de desfrutar do prazer com outra pessoa enquanto existimos nessa coisa, a qual não sabemos de onde viemos, para onde vamos e porque existimos?

Suspirei. Viu? Não eram pensamentos racionais. Não levava em conta as consequências. Eu só achava desculpas ou motivos para continuar. Não havia motivo para parar, apenas para esconder. Esconder era mais excitante.

Michel me observava na varanda. Seja educada, pensei. Sorria, peça desculpas. Não deixe transparecer a culpa – apesar de não existir culpa. Imaginei em como Michelle estaria agora, que tipo de desculpas ela daria e como ela estaria. Estaria suando frio ou estaria normal.

Não existe culpa se o que você fez está certo, pensei.

— Me desculpe, Michel. O que andou acontecendo me deixou abalada — disse quando ele veio ao me encontro, depois de ter saído do carro. — Toda essa coisa de assassinato e brigas... pensei em dar uma espairecida.

— Mas a noite você parecia tão bem. E aquilo de epifania?

— Confundi as palavras — sorri amarelo, querendo parecer fraca e em desvantagem, quem sabe assim eu o convenceria e as perguntas iriam parar.

— Claro, claro. Erro meu te perguntar coisas bobas como essa, sendo que teve uma crise. Desculpe não estar lá para que você pudesse se apoiar em mim.

Ele não devia ter dito isso. Toda a força de juntei para me convencer de que não tinha nada de errado no que eu fiz foi destruída. Ele era tão doce e gentil comigo. Sabia ser um bom marido e bom pai. Sempre correspondendo as minhas necessidades materiais e sentimentais. Engoli em seco, querendo não chorar. Me segurando para não chorar. Não iria demonstrar esse tipo de fraqueza agora. A culpa iria escorrer dos meus lábios como as lágrimas iriam dos meus olhos.

— Não se culpe por isso — consegui dizer. — Está tudo bem agora. Estamos bem.

Aos poucos juntei os cacos do que antes era a base para eu não me sentir culpada. Eu não estava cem por cento feliz. Não tinha nada de errado, não estava machucando alguém – pelo menos não fisicamente e apenas por enquanto. E o mais importante eu nunca senti isso por alguém. Não era amor. Não existia o tempo para ser amor. Foi rápido, repentino. Amor é desenvolvimento. Não acredito em energias compatíveis. Amor eu sentia pelo meu filho e talvez pelo meu marido. Foi algo cultivado.

primeira-damaOnde histórias criam vida. Descubra agora