uma quase verdade

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Acha-se que está pronto para algo, até que esse algo se torna algo que precisa ser enfrentado. Não se sabe como lidar. Isso te consome. Não existe outra alternativa, a não ser deixar-se consumir por isso.

Recebi o país que tanto amo em um estado extremo de caos. Não havia alternativa. Me deixei ser consumido pelo caos. Me deixei ser consumido por vermes que me apresentavam alternativas que apenas os favoreciam. Preocupei-me com esse país. Tão preocupado que não pude, em vida, presenciar sua morte. É demais para mim. Espero que alguém possa tomar conta do que não pude. Os deixo com pesar, na esperança de que surja alguém mais forte que lide com o caos. Não estava preparado. Ofereço precipitadas condolências aos meus familiares e amigos. Não deixem-se abalar por minha fraqueza. Continuem fortes. O Brasil precisa de vocês. Para aqueles que não pude conhecer, para aqueles que acreditavam em mim sinto os desapontar dessa maneira, abandonando-os quando mais precisavam de mim. Espero que ainda mantenham a esperança de um país melhor. Não sejam fracos como fui.

General H. Mourão.

O teor mórbido e culpado da carta de suicídio de Mourão, humanizou sua imagem. Alguns diziam que ele foi um herói, incapaz de ver aquilo que amava se desmoronar; outros duvidavam da legitimidade de sua morte – ele estava vivo, esperando o momento certo para voltar. Em vida fora uma especialista; um estrategista. A massa caíra de amores por alguém que não aguentava a dor e esperava que alguém fosse forte o bastante para aguentar por ele. Em algum momento, sua morte teve mais engajamento do que a morte de Jair. Sua morte fora mais poética. Havia uma poesia implícita. Foi algo romântico e heroico.


A morte de Jair não foi tão heroica. Quando se olha por trás das cortinas, ele foi apenas um velho que mentiu sobre um atentado para curar uma doença, no final, não deu certo.

Michel estava do meu lado, com a cabeça baixa. Fingindo pesar; Michelle se postara à minha frente – sozinha. A imagem que ela passava para a mídia era de uma esposa em profundo luto pela morte do marido. Prestes a perder a cabeça.

Era um lindo dia para um funeral.

Um terreno plano, de grama. Várias lápides espalhadas. Várias histórias perdidas. Algumas árvores também ocupavam o terreno, fornecendo sombra para covas e entes queridos chorando.

O céu estava azul, limpo. O sol brilhava. As folhas das árvores eram de um verde profundo. Havia um cheiro de verão no ar. Uma brisa era o bastante para não nos derretermos ao sol.

E apesar do calor, vestíamos preto.

Me afastei de Michel e fui até Michelle. A abracei tentando parecer uma amiga intima e ao mesmo tempo uma pessoa que mal a conhecia.

Afastei de minha mente a lembrança do funeral do marido da minha amante. Não era uma boa ideia me lembrar disso agora. Michelle estava entre minhas pernas.

Mas eu não conseguia parar de pensar em como ela estava bonita naquele dia. Seu cabelo brilhava sob o sol quente. Um vestido preto simples emoldurava seu corpo. Usava sapatos baixos, também pretos. Naquele dia não se preocupara em usar qualquer tipo de maquiagem, e acho que foi isso que fez sua imagem ser inesquecível para mim.

Ela era tão bonita.


— Posso te contar uma coisa? — pediu Michelle. Estávamos na minha casa, deitadas na cama que compartilhava com meu marido – o que era ariscado, portanto excitante. Michel havia saindo com Michelzinho. Pai e filho. Estava sozinha em casa, e a convidei. Estava calmo. Não havia barulho lá fora, não fazíamos barulho aqui dentro.

primeira-damaOnde histórias criam vida. Descubra agora