minha ruína

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No dia primeiro de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro tomou, oficialmente, o cargo de autoridade máxima do Poder Executivo do Brasil. Presidente da República. Foi uma eleição tumultuada. Todas as partes envolvidas tinham uma coisa suja para jogar.

E foi no meio desse caos que Michelle apareceu na minha vida. É claro que eu já tinha ouvido falar da esposa do presidente eleito, mas vê-la, ao vivo, foi diferente. Despertou uma coisa em mim que dificilmente teria sentido por Michel. E em todos meus anos de vida nunca tinha sentido por ninguém. Uma excitação acumulada por anos de não sentir nada por ninguém, surgiu.

Ela me cumprimentou naquele dia da posse. Sua voz soando como canto de anjos. Era uma coisa estranha me sentir daquele jeito.

— Espero que você me ensine como ser uma verdadeira primeira dama — ela disse e sorriu. Ah, meu Deus.

Apenas sorri, incapaz de formular uma frase completa.

Dois meses antes da posse de Jair, fomos naquela reunião; fui apenas por formalidade, Michel disse alguma coisa sobre aparências e naquele ponto eu não escutava mais o que esse velho dizia, só concordava e sorria.

Ela se sentou na minha frente, naquela mesa enorme. Os homens ficaram afastados e conversavam gritando e sussurrando; eu apenas olhava para Michelle, ás vezes conseguia até responder alguma pergunta dela, fora isso, apenas a olhava com admiração.

É estranho, como eu disse. Ficar abobada assim, do nada, por alguém que nunca vi na vida e sentir essa coisa que senti instantaneamente. Pelo que havia ouvido falar da religião que Michelle decidiu seguir, ou era o demônio atuando em minha vida ou presente de Deus – nada era por acaso. Eu, pelo menos, acreditava que era isso que eles acreditavam. Para mim, era uma conspiração do universo e sei lá mais o que.

Presente de Deus duvidava que fosse, o que eu sentia não tinha nada de sagrado ou milagroso. Era um sacrilégio e me senti, muitas vezes, mal comigo mesma por isso – não é mentira que me sentia amaldiçoada ou nojenta. Temi falar com alguém sobre isso. Tinha medo de suas reações e principalmente de afirmarem que eu era uma aberração nojenta e tinha que me curar. Ou alguma baboseira sobre possessão demoníaca e que eu teria que aceitar Deus. Isso é apenas uma parte do que eu acreditava que poderiam dizer ou fazer contra minha pessoa.

E lá estávamos nós, Michelle a minha frente, nossos maridos afastados tramando alguma coisa. Política nunca foi meu forte, não entendo nada e pouco me importa. A única coisa que eu sei é quem quer que fosse ganhar, eu continuaria com meus privilégios e status de poder, ou o que restasse dele.

Os dois não eram os únicos naquela reunião às escondidas. Tinha mais alguns políticos e donos de empresa. Estavam envolvidos em alguma coisa. Mas de mulheres, só havia nós duas. Achei estranho haver só nós duas e questionei o que significava nossa imagem para aqueles homens que conversavam tão concentrados. Eles não prestavam atenção em nós. O que fazíamos ali?

— O que fazemos aqui, Michelle? — Perguntei.

— Nada. Somos apenas formalidade. Pode-se dizer que somos testemunhas. ­— respondeu e mudou de assunto. Formalidade do que? E testemunhas do que? O que quer que estivesse acontecendo ali, tinham mais testemunhas do que necessário. E eu esqueci o que era que me incomodava.

Michelle veio se sentar do meu lado. Colocava sua mão sobre a minha de forma carinhosa, pelo menos eu achava que era. Deslizava sua mão sobre meu braço, dizia que meu cabelo era bonito e que queria saber qual o segredo.

— Sabem o que dizem, você é o exemplo perfeito de primeira-dama. Bela, recatada e do lar — disse, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo na mão. — Quem sabe você possa me dar umas dicas. Olhe seu cabelo, lindo. Sua pele perfeita. Um exemplo de como uma verdadeira mulher deve se portar e agir.

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