xeque-mate

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Os olhos de Michel se arregalaram quando anunciei a morte do presidente eleito.

— O que? Isso não estava nos planos. Preciso fazer algumas ligações — dizendo isso ele se levantou da cama, jogando a coberta no chão, como se não tivesse num sono profundo a segundos atrás.

Não estava nos planos? O presidente acabou de morrer e a indignação era com os planos? E que planos eram esses?

Fiquei sozinha no quarto, quando Michel saiu pela porta ligeiro. Talvez agora eu pudesse... voltei para a sala, onde havia deixando meu celular. Desbloqueie a tela, e lá estava. Uma mensagem de Michelle. De alguns minutos atrás. Talvez ela tenha enviado antes da notícia.

E ela tinha mandado um "A gente se vê em breve".

"Michelle, sinto muito", mandei imediatamente.

Não dava para escutar Michel, onde quer que eles estivesse e duvidava que ele se importaria com o que eu estava fazendo no meio dessa crise. Quer dizer, o que uma mulher como eu faria num momento desses. Meu papel no meio político era ser apenas uma primeira-dama, me apresentar como uma bela moça, sempre recatada e sempre presente em sua casa. Amparando e apoiando o marido e amando o filho.

"Não sinta" Michelle mandou.

Com isso senti que me envolvi com alguém com o coração de pedra. Comecei a pensar que ela estava apenas brincando comigo. Eu era apenas um brinquedo. Paranoia demais, eu sei. Mas foi o que pensei quando recusou minhas condolências pelo marido morto.

"Porque?", mandei, curiosa da resposta. Ansiosa.

"Não se lembra?" ela mandou de volta.

É claro que não me lembrava.

"Não, e pouco me importa agora", mandei de volta. Algo insensível, eu sei – mas se Michelle não parecia abalada, porque eu ficaria? Jair Bolsonaro não significava nada na minha e não seria agora que ele significaria. Eu só me importava com sua esposa. Ou viúva. Ele estava morto. Mortinho.

O país entraria em colapso. Seria preocupante, mas eu não me importava. Nada me atingiria. Pelo menos eu esperava que não.

"Me encontre nesse endereço." Ela mandou uma localização, diferente do hotel. "Quando der, claro".

Me joguei no sofá, exausta de pensar em possibilidades, exausta de pensar em consequências, exausta de pensar no que Michelle estaria pensando agora. Exausta. Não respondi a mensagem. Ela entenderia.

Era até irônico pensar em consequências, e isso acontecer. Quer dizer, eu havia decidido que me entregaria para Michelle, que não me importaria com as consequências. Em momento algum eu pensei em como estava seu marido no hospital. Me esqueci completamente de sua situação. Para mim, antes, ele era só alguém que me fazia pensar mais sobre minhas ações. Talvez uma personificação do que me impedia de me entregar para Michelle.

Agora ele não era nada, além de alimento para vermes.

Suspirei.

Não existiam mais consequências. Não existiam mais impedimentos.

Voltei meu olhar para televisão. O jornal da madrugada ainda noticiava o grande acontecimento. Não prestava atenção. As imagens passavam diante dos meus olhos. Eu não tinha como prestar atenção.

— Marcela... — Michel apareceu do meu lado, me levantei na hora. Ele não se mostrava abalado, apenas frustrado. Ele pareceu que ia dizer mais alguma coisa, mas o celular que estava em sua mão tocou. — Espere eu já volto.

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