tudo vai acabar

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Passamos o que talvez tenham sido horas, mas, como qualquer romance clichê, me pareceram apenas alguns minutos. A verdade é que eu amei ficar com Michelle, queria repetir e com certeza repetiríamos – o problema era ter que enfrentar a minha vida depois que saísse do quarto. Então, eu gosto de ficar com Michelle, mas acho que no momento eu não queria deixa-la mais por medo de enfrentar minha realidade do que por ter que a deixar (não estava tão temerosa assim por a deixar, porque iria se repetir).

Ela se afastou de mim, segurando meu rosto. Eu olhei em seus olhos.

— Odiaria trazer esse assunto à tona, principalmente agora — sorri, constrangida. Eu tinha que perguntar; não era como se fosse acabar com o clima, de qualquer maneira nós duas teríamos que voltar para nossas famílias agora. O clima já tinha mudado, mas como o ar depois de um dia um chuvoso ainda tinha um cheiro de chuva, podia sentir a vontade de nós duas ainda no ar. Acredito que enfrentaria consequências maiores, já que Michel e Michelzinho perguntariam onde eu estava. Michelle, por outro lado, bem, não sendo rude, mas o marido estava hospitalizado e o problema de filhos, ela não teria – a mais criança, não acho que seria problema e a outra não dizia respeito a Jair (duvido sequer que ele converse com a menina). Ou seja, os filhos de Jair estão ocupados fazendo chilique na internet e as filhas podem ser facilmente convencidas pela mãe de qualquer coisa. — O que você vai dizer para suas filhas?

Quase disse família. De qualquer maneira, a partir do momento que aceitei vir para esse quarto de hotel e que Michelle me chamou, não erámos mais fiéis a nossa família. É claro que iríamos mentir – era inegável. Só queria ter uma noção do que dizer. Tinha medo de perguntas demais e acabar me enrolando em minha própria mentira.

— Não sei — ela suspirou, tirou sua mão de meu rosto e apoiou na cama, atrás de suas costas. Colocou a outra mão para trás. Se espreguiçou, se esticando para trás. Seus seios vieram para frente, o cabelo caiu para trás – e sua expressão era tão serena, ela parecia não se importar. E naquele momento um raio de sol entrou pela janela, me fazendo perceber duas coisas: 1) já tinha amanhecido e teria que correr para chegar em casa, e 2) Michelle Bolsonaro era a pessoa mais bonita que eu já tinha visto. Olhei para a luz que entrou no quarto, meus olhos doeram na claridade e voltei a olhar para Michelle, que já tinha voltado com as mãos para frente e as apoiava na coxa. Ela olhava para mim. — Qualquer coisa serve, não estou preocupada com elas. Eu só quero me preocupar quando será a próxima vez que vamos nos encontrar.

— Mas são suas filhas. Elas vão querer saber onde você estava. — Estava meio receosa quanto as meninas, elas ainda eram pequenas, crianças, e sua mãe poderia contar qualquer mentira para elas e elas acreditariam. Não sei porque me preocupava com isso. Assim como Michelle disse, eu também estava preocupada quando seria nossa próxima vez juntas e eu deveria me preocupar com somente isso. Pensei que talvez fosse a culpa. Michelzinho tem, provavelmente, quase a idade de uma das meninas e eu me identificava com essa situação e como não achava uma resposta a procurei na pessoa a minha frente – esperando não uma resposta, mas sim que ela estivesse com receio também. É melhor sofrer quando se tem alguém ao seu lado para sofrer junto. É um alívio. No caso, seria um alívio se Michelle se sentisse como eu. Aí, quem sabe, eu não me sentiria uma péssima mãe. Ou sentiria, só que teria alguém para compartilhar o sentimento.

— Tenho certeza que vou inventar algo no caminho — ela não parecia mesmo preocupada e ela não tinha com o que se preocupar mesmo. Talvez eu que estivesse fazendo tempestade num copo d'agua. "Vamos devagar, Marcela", tentei me acalmar, "você também vai pensar em algo". Suspirei, tentando fazer a tensão sair de meu corpo. Me levantei da cama.

— É, acho que tenho que ir — fiquei sem jeito. Não sabia como me despedir. Recebi minhas aulas de etiqueta, quando primeira-dama. Sabia como me apresentar, como cumprimentar, como manter uma conversa, como termina-la educadamente e sabia como me despedir. Tudo seguindo uma regra, um padrão, estava tudo na ponta da minha língua. Tudo decorado do início até fim. Mas com ela, a etiqueta não era o bastante. Todo minuto que passei em sua presença era algo que beirava o colapso, pelo menos para mim. Não sabia como reagir. Ela era demais para mim.

Todos meus anos sendo educada não pareciam o bastante perto dela. Eu não era o suficiente perto dela. Ela tinha esse olhar, hipnotizador, que qualquer coisa que você fizesse para ela não era o bastante. Sempre faltava algo. Sua aura era de alguém que mandava e não aceitava um não como resposta. Era bruto. Poderia ser bruto, mas ao mesmo tempo era delicado. Essa dicotomia era fascinante, intrigante. Cada minuto perto dela você quereria mais e ao mesmo tempo queria ir embora, tamanha vergonha.

Todos os segundos passados com ela foram delicados. Cada palavra que ela disse para mim era delicada e educada. Cada movimento que ela fazia, passeando seus dedos por meus braços, deslizando a mão por minhas costas, apertando minha nuca, a pressão dos seus lábios nos meus... era tudo gracioso. E ela sabia o que estava fazendo. Fazia com confiança. De um jeito, ela me fazia acreditar que o que estava fazendo era bom e certo, mas por outro lado, eu tinha a sensação de que não era bem assim.

— Você não precisa ir, senão quiser. Em breve, tudo isso vai acabar — olhou para mim, como se guardássemos um segredo. A questão era que eu não sabia que segredo era esse. Quer dizer, estávamos guardando um segredo, esse segredo. Mas o segredo qual menciono, não é esse. É outro. Não sabia o que ela queria dizer, mas eu sabia que ela achava que tínhamos mais de um segredo. Que segredo era esse? Se jogou na cama de braços abertos. — Eu acho que vou ficar por aqui. Se quiser me encontrar, estarei bem aqui.

— Você não vai voltar para casa? E suas filhas? — Perguntei apressada e preocupada. Tínhamos que manter as aparências e continuar nossas vidas normalmente e aí poderíamos continuar o que começamos. Se desconfiassem... Deus, nem gosto de pensar no escândalo. As consequências, entretanto. Penso que em nosso lugar como figuras públicas seria um pouco difícil acontecer alguma coisa que não fosse causar um escândalo maior e poderia prejudicar a imagem de nossos maridos. Me peguei pensando em como seria o futuro. Será que continuaríamos com isso por quanto tempo?

Novamente ela suspirou. Um suspiro cansado. Parecia não ter que se preocupar com isso.

— Tem razão. Melhor eu voltar — respondeu de mal gosto e se levantou da cama e foi até mim, me abraçando pela cintura e grudando sua testa na minha. E por todo aquele momento, Michelle estava apenas com peças intimas. Deslizei minha mão por suas costas. — Você vai me encontrar mais tarde?

Sussurrou em meu ouvido. Mordi o lábio e concordei com a cabeça.

Eu a beijei e sussurrei um até depois e fui embora.

Não me recordava de onde havia parado o carro, nem me lembrava como eu tinha vindo. Acho que eu devia pedir um táxi ou ficaria muito estranho chegar em casa assim e sem o carro? Enquanto pensava, meu celular tocou. Nem me lembrei que o havia trago também. Estava no meu bolso o tempo todo. Trouxe mais por costume do que por necessidade.

O nome de Michel brilhou na tela. Merda.

— Oi meu amor — disse antes que ele pudesse falar.

— Marcela, onde você está, por Deus? — estava muito preocupado. Ah não. Qualquer coisa que eu dissesse ele faria algo dramático. Aumentaria a situação de uma maneira que seria impossível de controlar. — O porteiro disse que saiu no meio da madrugada! Aconteceu alguma coisa?

Fechei os olhos com força.

— Não, não, meu bem. Está tudo bem. Eu só tive uma epifania? — Isso Marcela, muito bom. Epifania do que? Sobre o que? Talvez eu deva dizer que confundi as palavras. — Já chego em casa, aí conversamos. Pode ser? — pedi educadamente e carinhosa. Conseguia qualquer coisa quando usava essa voz.

Ao contrário de Michelle em que se parecia difícil de agradar, Michel era fácil de agradar.

Michel disse que tudo bem e desligou o telefone.

Agora, onde foi que deixei o carro?

primeira-damaOnde histórias criam vida. Descubra agora