o fim

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Michelle e eu éramos impuras, o inferno nos aguardava – não quando morrêssemos e sim agora. Sabia o quanto de ódio podíamos causar no povo. O tanto de repulsa. Eu pensava nisso, mas não o bastante; me sentia intocada. Tinha uma posição de privilégio, tinha uma ótima companheira do meu lado. Ninguém se atreveria. Uma das minhas ultimas preocupações, senão a última, seria a reação do país ao saber do meu segredo. Porém ao mesmo tempo eu sabia do inferno que nos aguardava.

Já tinha se passado um tempo desde então, tudo estava calmo – pelo menos a calmaria mais possível que se poderia ter numa época delicada. Ainda tinha uma parte se negando a aceitar os acontecimentos, nada muito grande. Bolsonaro já morto e enterrado havia perdido a força. Sua imagem não passava de uma lembrança horrível para alguns e um momento de felicidade para outros. Notava-se como, de fato, ele não nunca havia sido forte em vida. Ele não era capaz de nada, nem de ficar na memória. Michelle, por outro lado, ficaria para sempre. Pelo menos na minha, uma visão individualista que em breve poderia se tornaria uma visão de todos.

Não havia nada planejado. Quanto tivemos aquela conversa, foi só aquilo e mais nada. Continuávamos a nos encontrar as escondidas. Tudo era feito na calada da noite, em cantos escuros, na surdina. Não era uma necessidade sermos vistas. Talvez em algum momento isso poderia se tornar real. A conversa daquela noite foi para deixar claro que nenhuma de nós poderíamos arrumar alguma desculpa, que nenhuma de nós iria pular para fora. Foi um contrato implícito.

Crescia ainda mais dentro de mim a necessidade de dizer que amava Michelle, que a queria para sempre do meu lado e não importaria nada. Mas algo me impedia. Não era medo, porque já havia aceitado os meus pecados, estava pronta para receber a punição sobre eles (isso se houvesse alguma punição, se houvesse mesmo um inferno). O que me impedia era algo mais real, mais concreto. Tinha história. Tinha essência. Sofreria diretamente por causa de minhas ações.

Meu filho. Ele ainda era jovem. Tinha uma vida toda pela frente. E se sua mãe estivesse com uma mulher, sua vida inteira seria prejudicada. Sem contar a não presença de um pai. Ou numa outra hipótese viável, a não presença da mãe. Nada poderia impedir de Michel de querer a guarda. Seria desgastante, e emocionalmente doloroso ficar longe do meu filho. Não acho que a presença de Michelle poderia acalmar essa dor.

Se houvesse alguma coisa envolvendo advogados eu faria de tudo para ter meu filho comigo.

Naquela noite, Michelle e eu nos atrevemos a cometer nossos pecados em minha casa. Michel tinha saído para fazer alguma coisa, havia um tempo já que não ligava para as coisas que ele fazia. Michelzinho estava numa festa do pijama de algum amigo.

Havia juntado coragem para descer até lá em baixo em Michelle. Por muito tempo eu apenas sentia sua língua mexer-se em meu corpo, enquanto sua mão deslizava por minha perna, por meus seios – me arranhando, batendo, beliscando. Tudo feito de leve. Eu não gostava de coisas violentas e parecia que Michelle também não.

Primeiro eu coloquei um dedo, a vi estremecer. Um leve gemido escapou de seus lábios. Olhei para seu rosto, vendo ele se contorcer. Mordeu o lábio de baixo. Coloquei mais um dedo, e mais outro e ele gemia e se contorcia cada vez mais. Não sabia se ela estava fingindo, mas fazia muito bem para meu ego. Me sentia mais ousada a tentar coisas que nem me imaginaria fazendo.

Ela puxou meu cabelo, e eu gemi de dor. E ela gemeu de prazer. Não era algo para me gabar afinal, ela já tinha me apresentado o paraíso e me proporcionado muito prazer. Ela me fez sentir bem ao faze-la sentir-se bem.

Ela me puxou e me beijou. Não achei sua atitude repugnante. Não achei nada demais.

O que eu não esperava, entretanto, era o grito que veio da porta. Me afastei de Michelle. Me deparei com o olhar de desprezo de Michel.

primeira-damaOnde histórias criam vida. Descubra agora