Capítulo 8

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Ele estava de volta. Depois de tantos anos longe, finalmente seus pés tocaram aquele chão branquinho, coberto pela neve. Seus olhos miúdos corriam de um lado para o outro, observando a movimentação na cidade. Mal podia acreditar que mesmo passados oito anos, Kharanos continuava da mesma forma. Com os mesmos soldados, as mesmas construções, os mesmos animais, os mesmos anões...

A chaminé da taverna cuspia uma fumaça branca, impregnando o ar com cheiro de ensopado. Ele fechou os olhos e respirou fundo, inalando aquele aroma inebriante que o fez recordar dos melhores momentos de sua vida, os momentos em que brincava com sua irmã, correndo pelo salão abarrotado, subindo e descendo as escadas, igual dois esquilos saltitantes. Sorriu ao lembrar das muitas vezes que os dois trombaram nos garçons, derrubando bandejas e molhando os fregueses com cerveja. Tempos bons aqueles. Tempos que não voltam mais. Suspirando, tratou de empurrar as lembranças pro mais profundo de sua memória. Lembrar dela só aumentava sua dor e no momento, ele tinha outras coisas a fazer. Precisava dedicar total atenção à isso. Desceu do cavalo baio, segurou suas rédeas e se dirigiu ao mestre de estábulo. Rufus precisava ser escovado, alimentado e de um bom descanso. Despediu-se do anão com um sorriso amistoso e entrou na taverna. O tempo parecia congelado lá dentro. Claro que ele sabia que isso era apenas uma ilusão, uma sensação idiota provocada pelas lembranças que tinham um gosto amargo e aquilo era ao mesmo tempo reconfortante e doloroso. Ele poderia andar por ali de olhos fechados que sabia onde ficava cada coisa, sem tropeçar em nada. Uma lágrima teimosa escorreu por sua bochecha gorducha e a única coisa que havia de diferente ali, era a enorme cicatriz que ele agora carregava, da testa até o queixo, do lado esquerdo do rosto; uma linha grossa, avermelhada, causada por um corte profundo que por pouco não o deixou cego.

O salão estava quase vazio, apenas um grupo de cinco homens, sentados em uma mesa no canto, conversando animadamente enquanto degustava o ensopado com cerveja. O gnomo foi trazido de suas lembranças por um barulho de pratos quebrando, vindos do andar de cima. Ao virar o pescoço para ver o que estava acontecendo, avistou um gnomo de olhos esbugalhados o encarando com a mão tampando a boca.

- Me digam que não estou vendo fantasmas! - Magis coçava os olhos fechados como quem tenta acordar de um sonho.

- Sei que sou bem branco, mas ainda não fiquei transparente. - Trillis olhava para as mãos e virava os braços de um lado para o outro, sorrindo para o outro mago. - Vai ficar aí me olhando com essa cara de idiota ou vem aqui me dar um abraço, velhote?

- Por Mekkatorque! Trillis, seu frangote, é você mesmo?!! Venha aqui meu rapaz!

O mago que estava no andar de cima desceu com um lampejo, levando menos que um segundo para ficar de frente à Trillis e puxá-lo para um abraço apertado. Dando tapinhas nas costas do sobrinho, Magis tentava em vão controlar o choro.

- Tanto tempo sem notícias suas... todos pensavam que você estava morto. O que aconteceu? Onde você estava esse tempo todo? Te procurei tanto...

- Eu também senti saudades, tio. Vou te contar tudo, mas vamos sentar que eu estou louco para provar desse ensopado. Estou morto de sede e fome. Como o senhor percebeu, estou bem vivo e os vivos precisam de comida.

O gnomo nem terminou de falar a última palavra e seu estômago, concordando com o que dizia, roncou bem alto. Ambos caíram na gargalhada e Magis soltou o sobrinho para logo em seguida apertá-lo novamente. Eles subiram a escada e escolheram uma mesinha afastada para sentar, no primeiro andar, em busca de privacidade. Pediram ensopado, pão fresco e duas canecas de cerveja anânica.

- E então, por onde você andou todo esse tempo? Por que não me deu notícias? E por que só apareceu agora?

- Quantas perguntas, tio. Não ficou feliz com minha volta? - Sorriu.

- Claro que fiquei seu idiota! Só que você desapareceu do mapa por oito anos e todos acreditavam que você estava morto.

- E o senhor desistiu de me procurar?

- Nunca!

Magis não conseguia interpretar bem aquele sorrisinho no canto da boca sempre que o sobrinho falava algo. Era um ar sarcástico, como alguém que se diverte com o desespero do outro. Aquilo poderia ser apenas impressão causada pela cicatriz que contraia a musculatura da face sempre que o gnomo abria a boca. Era só impressão, decidiu ele. Deveria mesmo estar ficando velho para enxergar coisas onde não existiam. Resolveu relaxar enquanto escutava o que Trillis tinha para contar, saboreando sua cerveja.

- Fico feliz em ouvir isso. Seria muito doloroso saber que a única pessoa que tenho como família desistiu de mim.

- Eu sou sua família Trillis. - esticou o braço e afagou a pequena mão do sobrinho.

- Sei disso. - sorriu carinhosamente. - Eu não dei notícias porque eu não podia dar.

- Como assim?

- Eu sobrevivi ao acidente, porém perdi a memória. O que aconteceu com os outros, tio? Eles também sobreviveram? E Arviny?

Magis fechou os olhos entristecido e suspirou.

- Todos desapareceram.

A voz do mago saiu tão baixa que mesmo estando ao lado dele o gnomo não conseguiu escutar.

- Como? Não consegui entender.

- Todos morreram, Trillis. Ao menos é nisso que acreditamos. Soubemos do acidente em Uldum. Fui até o local e não encontrei nada. Onde vocês montaram acampamento havia apenas escombros e nada de corpos. Sumiram sem deixar rastros aparentes. Eu consegui sentir os vestígios de uma poderosa magia no local, mas nunca consegui encontrar nada. Até hoje. E é por isso que quero muito saber o que aconteceu com você.

- O problema é que eu não tenho ideia do que aconteceu. Só lembro que houve uma grande explosão e depois nada. Apaguei e quando acordei estava em um acampamento, na Selva Maleva com um grupo de humanos ladinos nômades sem lembrar de nada. Não conseguia lembrar meu nome, quem eu era, de onde vim. Nada! Os humanos cuidaram dos meus ferimentos e desde então eu fiquei com eles, vagando por Azeroth, fazendo pequenos trabalhos e ajudando como eu podia.

- Então você aprendeu a arte do roubo e da enganação? Eu não te criei pra isso!!

- Não, tio! - Colocou as mãos na barriga e gargalhou. - Por mais que tentassem me ensinar, não consegui aprender. Com o tempo, recordei que era um mago e voltei a manipular o fogo.

- Você demorou todo esse tempo para lembrar quem realmente era?

- Sim! Tem exatos três dias que lembrei quem eu sou. Acordei e puft! Minha memória voltou como um furacão devastador e de repente eu não era mais o "Cicatriz", eu era Trillis Traposujo. Juntei minhas coisas no acampamento e resolvi voltar pra casa.

- Que coisa mais incrível! Ainda não estou acreditando que você esteja de volta.

- Nem eu, tio. Nem eu!

- Terminou de comer?

- Sim.

- Vamos para casa.

- É tudo o que mais quero no momento, tio.

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Oi amores! Mais um sobrevivente do acidente de Trinahh? O que será que vai acontecer agora?

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A Maldição do SádicoWhere stories live. Discover now