Capítulo 15

9K 1.3K 348
                                    

A gente queimou até o dia seguinte de manhã. Vela com potencial para sete dias, mas gastamos numa noite só. Ali foi o topo da minha adolescência. Eu lembro daquele dia e ainda sorrio que nem retardado. Manuela rebolando e Rafael de fala mansa, adocicada. Eu, que nunca fui de morder lábio (porque é brega), mordia.

Queimamos o estoque de camisinha, também. Cada vez que a gente ia trocar de parceiro, trocava de proteção. Parecia que tinha acontecido um carnaval naquele quarto, e aconteceu. Todos os caminhos me levavam para a próxima virada de olhos. Exorcizamos todas as vezes que nos comemos escondidos, nos beijamos escondido, gememos baixinho. Todas as vezes que mentimos para os nossos pais. Nos livramos da escola e dos colegas, da classe e do quinto andar. Comemoramos como se tivéssemos acabado de nascer, nós três, cheios de esperança no futuro, FUVEST completada, primeira fase já tinha ido, faltava só a segunda e então.

Beijando a Manu eu tinha certeza que o futuro seria lindo. Tivesse quantas pedras tivessem, eu não estava nem aí. Ouvindo Rafael tagarelar como nunca tinha feito, até piada o nosso menino soltava, porque se sentia seguro e feliz conosco, eu só sabia crer que o pior tinha passado.

Só levantamos da cama quando a barriga reclamava. Pois é, viramos a noite. Minha porra estava tão rala, que na última gozada nem líquido saiu. Manuela estava inteira vermelha. Não parava de sorrir. E Rafael, para variar, queimaria enquanto a gente aguentasse queimar.

Colocamos a roupa e olhamos com carinho para o quarto. Não era a cama o que nos prendia, nem as janelas. Era o sossego de ser quem somos. Manu pediu ajuda para calçar a bota porque as pernas tremiam e nós rimos.

— É sério, eu não consigo!

Fomos pagar a conta e eu nem me preocupei em dividir. Meu pai sempre pagou. Ele sempre põe um teto no meu cartão, nunca me deu cartão de crédito, mas, naquele noite de formatura, orgulhoso de mim, disse que eu podia gastar um pouco mais. Passei o débito sorrindo para os dois, torrando o dinheiro que não era meu, e saímos.

Só fui chegar em casa de noite. Ainda tínhamos o dinheiro do pai da Manu e da mãe do Rafa para gastar, e nós gastamos com comida. A tarde inteira, o melhor rolê da minha vida, beijando sem medo de ser visto, de sermos vistos, abraçando pelas esquinas para esperar o farol fechar com a certeza de que o mundo era nosso.

O mundo só parou de ser nosso quando nos separamos. Deixei Manu na porta da casa dela, Rafael na porta da casa dele, e voltei com o mesmo Uber para casa. Mais feliz que eu, não tinha. Quase beijei o porteiro do prédio, dei boa noite para toda velhinha que passou por mim, e, quando cheguei em casa, dei um beijo grande na minha mãe e não recebi um beijo com o mesmo entusiasmo, mas nem liguei, porque ela nunca me beija com muito entusiasmo, mesmo.

Nem filhotinho prodígio passando na primeira fase da FUVEST recebe beijo entusiasmado, quem dirá filho que volta no dia seguinte, depois de passar a noite anterior trepando feito um coelho, não é mesmo?

Fui para o meu quarto e encontrei tudo revirado. De cima a baixo, nem o colchão estava no memo lugar. As gavetas da minha escrivaninhas reviradas, até a gaveta com chave, que eu sempre guardei os desenhos pornôs que eu fazia, arrombada.

Não achei nenhum desenho pornô meu. É incrível, cara, a vida não te dá nem vinte e quatro horas de felicidade, já vem e te derruba. Eu quis manter a calma, parte porque estava exausto, ativando meu repertório de mentira que venho usando há dois anos. "Tô comendo a Manu, sim, Pai". "Nah, que mané namorar. Namorar é coleira, ela quer, mas eu não". "Rafael tá de boa com isso" e toda sorte de mentiras que me fazia o filho comedor do Seu Guilherme.

Porque, para quem ele falava de mim, me chamava de "filhão". O Único filho, a prioridade. O macho que ele não foi na adolescência e queria ter sido. Nunca me disse um "não", só queria que eu não levasse nem doença nem mulher grávida para casa, nunca nem cogitou que eu fosse gay porque isso não existe no vocabulário dele. Baitolinha que aparece na novela ele desliga, boicota o canal. Finge que não existe, cospe na rua, de nojo, se ver dois caras se abraçando. Pode ser abraço de irmão, não importa, meu pai acha que são duas maricas.

Para Sempre TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora