Capítulo 16

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Evitei olhar para o motorista durante toda a viagem. Eu podia ter pego um boné, mas não adiantaria muito. Ele perguntou do ar condicionado, da música, e eu não conseguia falar. Só balancei a cabeça aceitando qualquer coisa que ele dissesse, e fiquei quieto.

Saí do carro e tive que receber ajuda. O corpo ia esfriando, não sei, e tudo doía. Com o labirinto atacado, tudo rodava. Senti vontade de vomitar, o motorista desligou o carro e veio me ajudar. Estávamos na porta do Rafael, mas nem ele, nem Manu, tinham visto minha mensagem de SOS.

— Obr... – Tentei – Obri –

— Tudo bem. Essa fica por conta da casa. – O motorista quis me sorrir, sabia que boa coisa não tinha acontecido, eu olhei para ele, desacostumado a pagar pelas corridas com dinheiro, sempre ia para o cartão do meu pai, e me senti envergonhado mais um pouco. – Você vai ficar bem se eu te deixar aqui?

Balancei a cabeça dizendo que sim, chorando, me quebrando mais ainda. Ele entrou no carro quando me deixou na porta do Rafael, e arrancou. Olhei o celular de novo, pedindo para Deus que um deles me visse.

Toquei a campainha.

Ninguém.

Toquei de novo.

Ninguém. Dormiam todos.

No frio, esfolado, sentei no degrau da casa do Rafa e só esperei o dia. Olhando o celular, sem conseguir falar, nem ligar para ninguém. Exausto. Já era a segunda noite sem dormir direito. A primeira, a melhor noite da minha vida, a segunda, a pior noite da minha vida.

Ninguém nunca me falou que a rua era tão fria e tão assustadora de madrugada. Quando você não está bêbado e está desacompanhado, parece que até a polícia que fizer ronda no bairro vai te levar preso. Era um bairro diferente do meu, mais portão e grade nas janelas, menos prédios e menos árvores. Eu cochilava e acordava em alerta, uma hora deu vontade de vomitar e eu tentei levantar para não vomitar em mim mesmo, mas foi mais ou menos em vão. Em mim não vomitei, mas o vômito escorreu assim que peguei no sono.

Seis horas da manhã um vizinho ligou para a Tia Lúcia avisando que tinha um mendigo escorado no portão dela. Tia Lúcia veio ver e não me reconheceu. Sorte é que eu acordei antes dela fechar a porta na minha cara.

— Gabriel?!?!?

Tia Lúcia entrou em casa para chamar Rafael, para Rafael me tirar do chão, eu estava tão mole, que pesava o dobro, e tia Lúcia era pequenininha. Não vi Rafael, de verdade, quando o Sol saiu que eu percebi que o embaçado que eu via tinha piorado muito. Rafael eu reconheci pelo cheiro. Já estava de pé, provavelmente tomava café com a mãe porque o hálito era de café. Depois senti um cheiro muito ruim e percebi que era o meu.

Fui arrastado para dentro de casa, Dona Lúcia apavorada, parecia que tinha sido o próprio Rafael caído, eu só sabia pedir desculpas por dar trabalho. Fui colocado numa cadeira, nem sentado eu conseguia ficar, tombava pra frente toda hora. Senti a mão da Tia no meu ombro, me mantendo sentado, e Rafael me ensaboando. Senti a água quente, doía, tudo doía.

Acho que, quando finalmente me deitaram na cama e eu preguei no sono, parece que foi para sempre.

***

Era domingo, a casa inteira acorda mais tarde, sempre foi assim, mas naquele domingo, Manuela acordou cedo. Não passava das oito da manhã, seu celular vibrou e o sexto sentido fez seu trabalho. Rafael chorava na ligação: Gabriel estava todo destruído de pancada.

Num pulo. Manuela se levantou de um pulo. Escovou os dentes e rondou pelo quarto caçando roupa e desculpa para sair tão cedo de casa. Se ninguém tivesse acordado, ela só sairia, depois inventaria uma explicação boa para não ter avisado para onde tinha ido e ficaria tudo bem.

Para Sempre TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora