Capítulo 26

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Manuela

"Você tem que entender que vai dar merda" o Guto me disse na noite anterior. Essa era a única coisa que eu pensava enquanto os meus meninos não chegavam. Que ia dar merda. Que vai dar merda. Minha mãe estava toda feliz, do lado do meu pai, de ver a família completa. O Guto ter escolhido ir morar com o Lipe e não com eles os matou um pouco. Eu via todo dia a mãe olhar o quarto sempre fechado, do Guto e do Lipe, sem poder fazer nada.

E a nossa casa, agora só com três, nunca foi tão triste.

Antes não importava se tinha quadro e decoração na parede porque os espaços eram usados. A gente vivia caçando o que fazer, quadro era o de menos. Com a casa vazia, sem o Guto reclamando que está sempre atrasado e sem o Lipe entrando com a bicicleta, parecia corredor de hospital.

E eu, que sempre vivi escondida dentro do meu quarto e só saía para comer, passei a me sentir culpada em nunca estar em casa para as jantas.

Meu pai nunca vai falar que está se sentindo sozinho porque ele é feliz de ver cada filho seguir seu rumo, mas eu vejo nos olhos dele a tristeza de não ser um avô presente como gostaria quando o Guto evita de ir na casa deles e levar a pequena.

(Quer dizer: não que ele evite propositalmente, eu sei que dar uma força na administração do Jockey deve ser difícil, mas não parar nem um fim de semana para jantar na casa dos pais?!)

Agora, saindo da piscina do meu irmão para cumprimentar meus namorados como amigos, na frente dos meus pais, pela última vez na vida, eu sentia que era a minha vez de deixar o ninho. E confesso que foi isso o que doeu mais.

— Cacete, tão parecidos que parecem irmãos... – Vi minha mãe cumprimentá-los com abraços e beijos, coisa de mãezona mesmo, confiante e nostálgica, e fiz bico sem perceber. – Faz um tempão que não vejo vocês dois!

Rafael e o Gabi sorriram amarelos, envergonhados. Rafael me espremeu até quando não deu, sobre eu contar para os meus pais, mas, ali, na hora do vamos-ver, ele também sentiu o tamanho da traição que aquilo era.

Puxa vida, ali, na frente de todo mundo, no dia que a Bia voltaria de sei lá onde?!

— Mãe... – E eu mal me atrevi a olhar para o meu pai.

— Tá me deixando nervosa, Manu.

— Tô namorando. – Se vai vir paulada, que venha. Soltei as cobras. Corram todos.

— Grande coisa. Com quase vinte anos, se não estivesse namorado, aí sim que eu estaria preocupada.

— Com ele ou com ele? – O pai ria achando a maior graça na minha tempestade em copo d'água.

— Só não tô entendendo o porque trouxe os dois aqui, fizeram roda, só para contar a grande notícia que a minha filha tem...

Entendeu. O rosto de tristeza por ter sido enganada, por tanto tempo, e pela própria filha. Meus pais deram o maior suporte quando o Gabi foi expulso de casa, brigaram com o pai dele, a mãe montou o elevador para a Dona Lúcia, o Lipe montou a planta, ajudou a arrumar toda a laje da Dona Lúcia, contribuíram até com dinheiro para que o Gabi nunca passasse necessidade e no entanto...

Nós três mentíamos para ela, há tanto tempo, que mentir era a nossa rotina. Gabriel queria me beijar e fingia que não, me beijava a bochecha. Rafael me beijava a bochecha e pegava na minha bunda no segundo em que meu pai virava as costas. A gente mentiu desde quando briguei na escola a primeira vez. Desde quando o Guto ainda estava na faculdade e eu pedia, cândida como uma criança, para eu poder levar meus amigos para casa.

Para Sempre TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora