Encontro com o Preconceito

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Quando saio com Perola, e perguntam se sou à baba dela. Também está presente.

Quando fazem piada do meu cabelo, ou de minhas características físicas.

Quando saio com a minha tia, e me perguntam se sou a cuidadora dela.

Quando pego um taxi para visitar minha irmã no fim de semana, e perguntam-me se estou indo trabalhar.

Quando saio para passear com meu cachorro, no fim da tarde, e encontro com uma senhora que diz: Nossa você esta trabalhando até agora. – Como se a gente não tivesse vida.

Quando lá estou eu a chegar do supermercado, cheia de sacolas, pronta para entrar no prédio, e o rapaz que faz a entrega das contas, faz um som com boca, me chamando, corre até mim, e me entrega todas as contas dos moradores do prédio. Eu digo ele pode por na caixinha de correio. – Parece até piada, mas é verdade.

Quando mostrei a foto da Perola, e a pessoa vira e me pergunta: Como ela te chama?

Se eu sou a tia dela, como ela me chamaria?

Cada uma que parece duas. (risos.)

Quando pai diz ser meu pai, e perguntam espantados: Sua filha?

Quando acompanho minha tia em suas consultas e por estar com uma pasta na mão me perguntam informações do hospital.

Desde minha infância (ou desde que me entendo por gente – como diria minha mãe). Lido com esses tipos de situações. – Na escola ouvia piadas sobre o meu cabelo, coisas do tipo como: macaca, juba de leão, Sol, esponja de lavar... Comentários do tipo: da para jogar o jogo da velha nas suas pernas, não se encoste, em mim vou ficar preto... – Ou sobre o tamanho da minha boca, ou do meu nariz. – Aquelas coisas eram do tipo que me deixavam retraída, insegura, eu ficava sempre na minha, quieta, não levantava para nada, tinha vergonha de tudo (ainda tenho bastante), eu diria que se gera uma espécie de trauma, que não é nada fácil reverter, o que plantam na sua mente, não é nada fácil deixar de lado o que te fazem acreditar que você é. – Gera um medo de tudo, você acaba que não sabe mais como se portar perante os outros, você acaba se anulando, tentando ser invisível, passar despercebido por onde quer que você vá. Isso ocorre meio que automaticamente, você não se da conta, ainda mais sendo apenas uma criança. – Por isso é muito importante ser presente na vida de seus filhos, procurar saber o que acontece com eles, no dia-a-dia, ser pais e amigos, orientar, estar preparado para o que possa vir pela frente, passar força para eles, ser o porto seguro deles, ensina-los a se amar como eles são e ama-los também, e ajuda-los a serem seguros de si, para que eles saibam sempre a imensidão do valor deles, sendo assim ninguém poderá tirar isso deles. Não deixe que outros espalhem suas ervas daninhas em seu terreno.

Minha mãe muito me apoia, mas eu não queria enche-la com estas coisas, já bastava ás vezes que ela mesma presenciava. – Parece até coisa de gente má instruída, ou de cidade pequena, você se ilude em pensar que entre pessoas de estudo, em uma cidade maior, essas coisas seriam diferentes, fica aquela fantasia que as pessoas com melhor posição social são mais instruídas, ou mais educadas, ou evoluídas. – Pura ilusão! Em sua maioria, infelizmente conseguem te deixar pior. – E entrar no mundinho "deles" é mais desconfortável ainda.

A Clara foi de grande ajuda nessa minha transição mesmo sem saber, ter de lidar com essas coisas, e poder encarar o mundo. – Essa luta diária foi me deixando mais forte, mais leve, e menos preocupada com opiniões, com o encaro dos alheios. Ajudou a me conhecer, e me respeitar.

Isso muito me lembra, um filme, que a pouco assisti, havia duas irmãs, e uma luta pela outra, no filme a irmã mais velha escondeu quem realmente era, e reprimou seus sentimentos, por medo da reação das outras pessoas do seu reino, toda essa pressão a sufocava, ela estava cada vez mais só, fizeram-na pensar que não poderia ser ela mesma, que tinha de se esconder, para se proteger. Ela foi se afastando aos poucos, ate de sua irmã, ela se anulou para caber naquela sociedade, quando viram o seu eu verdadeiro eu, todos a julgaram, e ela não estava pronta, e fugiu dali, se isolou do mundo. Mas sua irmã não desistiu dela, foi atrás a aconselhou, mais tarde a irmã mais velha percebeu que só amor poderia ser a cura, percebeu seu próprio valor, e que ela poderia fazer coisas incríveis, sendo ela mesma, sem se anular, e quando todos que a julgaram, viram-na de verdade, perceberam o quão especial ela era, e que não importava o fato de ela ser diferente, era como qualquer um ali, mesmo com suas diferenças. E que todos poderiam conviver em harmonia, e se respeitando.

Enxergando na  EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora