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- Um ano da inauguração?- Pergunto a Shizuki enquanto equilibro a bandeja e me dirijo à mesa três.

A baixinha assente animada, os cotovelos apoiados no balcão e o queixo entre as mãos, junto de um sorriso nos lábios.

- Ela queria comemorar hoje, mas, como você trabalha à noite, decidiu adiar para amanhã. Ela faz questão da nossa presença acima de tudo- Explica assim que volto.

- Nossa, me sinto grata... mas um pouco culpada.- Franzo o cenho, já calculando mentalmente que roupa vou usar.

- Que nada! Você faz parte do nosso time! Vai ser no apartamento dela. Terá uma festa com amigos e até a nossa família.

Me debruço no balcão, imitando a garota à minha frente, que hoje usa um óculos redondo idêntico ao do Harry Potter. Suspiro, apagando tristemente minhas esperanças de passar o sábado escrevendo e tentando esboçar algo novo.

- Que cara é essa?

- Acho que precisarei comprar algo...- Suspiro, soltando o ar pesadamente.

- Eu também! Antes de irmos, podemos passar no shopping juntas!- Seu entusiasmo me arrasta para a ideia, e acabo concordando.

Shizuki me puxa para lojas mais caras do que minha consciência financeira permite. Enquanto isso, tento fugir da tentação das roupas e sapatos que praticamente gritam para que eu acabe com meu único dinheiro até o final do mês.

- Queria que a Yuna tivesse vindo também.- Ela faz um biquinho, deslizando os dedos entre os cabides.

- Eu queria era a sorte dela de já ter o que usar.- Respondo, resignada.

Analiso meu All Star. Nem está tão surrado assim. Melhor mantê-lo. Até porque o preço dos tênis novos é mais alto do que o dos saltos que evito, tanto pela minha altura quanto pela minha propensão a desastres.

Shizuki corre em minha direção, segurando um vestido rosa pastel. É delicado, quase etéreo, e mesmo fora do corpo já parece ter sido feito para ela. Ela não hesita e segue direto para o caixa. Eu, por outro lado, respiro fundo e continuo a busca por algo que combine mais comigo – e, principalmente, com meu bolso

Não gosto de demorar para me arrumar. Na verdade, tudo o que faço parece tomar um tempo maior do que deveria. Por isso, agarro a primeira peça que me agrada e sigo para o provador, sem hesitar.

- Onde você estava?- Pergunto, depois de vagar por alguns minutos na frente da loja sem encontrá-la.

- Pra você!- Shizuki entrega um sorvete, equilibrando outro junto das sacolas.

Sorrio, divertida com seu jeito fofo, e agradeço.

(***)

O banho é apressado, e o medo de me atrasar já consome meus nervos. Procuro pela sacola do vestido preto que me encantou mais cedo. Calço uma sandália que achei perdida na sapateira e solto os cabelos, ajeitando as ondas com os dedos. Um suspiro de alívio escapa quando vejo o reflexo no espelho.

No caminho, informo o endereço que Shizuki me passa ao taxista. Sou deixada em frente a um prédio luxuoso e tão alto que me dá vertigem só de imaginar o topo.

Shizuki me espera, linda no vestido que comprou. Metade de seu cabelo curto está solto e ondulado, enquanto a outra parte está presa em dois coques no alto da cabeça. Usa mais maquiagem do que no dia a dia, e sua boca, pintada num tom pêssego, chama minha atenção.

- Que batom é esse?- Pergunto antes de qualquer outra coisa.

Ela ri e me puxa pela mão.

Quase grito para o taxista voltar quando ela menciona a palavra 'cobertura'. Meu estômago se contrai, meu peito pesa. Eu deveria ter perguntado antes. Mas já é tarde. As portas do elevador se abrem, revelando um espaço cercado por vidro, como se o chão desaparecesse sob meus pés. A vista é magnífica – mas tudo o que vejo é o quão alto estou. Faço um esforço para manter uma expressão neutra ao sermos recebidas pela Sra. Sakurai.

Minha expressão só relaxa ao avistar Yuna e Vernon sentados longe das janelas, amenizando meu medo de altura. Yuna está impecável como sempre, com sua saia rosa e camisa listrada combinando. Sorri ao nos ver. Observo Vernon. Ele está bonito, todo de preto, o cabelo caindo sobre os olhos. Mas é seu sorriso discreto que me prende. Ele parece confortável, tranquilo e em total harmonia. Quando nossos olhares se cruzam, ele ergue levemente a sobrancelha, como se perguntasse silenciosamente se estou bem. Dou um pequeno aceno de cabeça. Ele sorri de canto. Talvez eu esteja.

- Por que não trouxeram seus namorados?- A Sra. Sakurai se aproxima, descontraída. Me pergunto quantas taças de vinho já bebeu.

- Eu não tenho.- Yuna responde, envergonhada, fixando o olhar na taça e agora, os olhos estão sobre mim.

- Pelo visto, temos três funcionárias solteiras. Isso é culpa desses homens que não têm confiança para abordar uma mulher! — ela declara, indignada. Levanto o olhar. Yuna ri, concordando. Shizuki parece querer sumir de vergonha pela postura da mãe.- Vernon, você é assim também?

Ele fica sem graça, ruborizado. Abre a boca, hesita, fecha. Parece procurar a resposta correta.

- Sra. Sakurai, seu marido está te chamando.- Aponto para o mesmo e ela se retira avoada.

- Ela sempre mantem uma postura impecável no trabalho, mas esta noite, o vinho parece ter lhe dado uma liberdade incomum.- A filha comenta. Depois de sua saída e a conversa segue, agora sem insinuações incômodas.

(***)

Passo os dedos sobre a capa do diário antes de abrir. Ele deveria guardar registros do meu dia a dia, mas está coberto de poemas.

Ainda olho pro céu e não vejo esperança
Continuo me vendo nos olhos de uma lembrança
Quero voltar a me sentir feliz como uma criança
Vou pedir pro sol me ajudar
Ou talvez, quem sabe, a lua possa me curar.

Sky. (Mingyu)Onde histórias criam vida. Descubra agora