Capítulo XV

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Acordo com o cheiro do velho e bom ovo frito da minha mãe. Desço até a cozinha, e sou recebido com um sorriso.

- Bom dia filho! Vai fazer o que hoje?

- Mãe, eu tô pensando em morar em São Paulo. - Ela para de cozinhar e me encara.

- S-são Paulo? Meio longe, não acha?

- Só duas horas daqui, mãe. E aliás, eu preciso disso, sabe. Não aguento mais essa cidade.

- M-mas, mas e eu?

- Você e a tia se deram bem aqui sem mim por um ano, vão conseguir viver sem mim.

- Não sei filho... Aonde você iria morar? Preciso saber com quem, onde, se a pessoa trabalha, como você vai se sustentar? Não vai querer fazer uma faculdade? Você é inteligente filho, pode fazer a faculdade que quiser, você já tem 18 anos mesmo, poderia prestar aquela prova lá pra você conseguir ganhar uma faculdade. - Respondi todas as perguntas da minha mãe calmamente, havia conseguido uma casa dividindo com um cara que fazia faculdade. Trabalharia em qualquer loja até conseguir um emprego melhor, ou chegar a época das provas. - Vou pensar.

Quando minha mãe dizia que pensaria, ela pensava em cada ponto positivo e negativo e quase sempre acabava com os positivos com algum pensamento negativo. Confesso que era arriscado, talvez eu não conseguisse emprego, talvez o cara que eu dividisse o apartamento não fosse tão legal, ou até coisa pior. Talvez eu nem durasse um mês na confusão que era São Paulo, mas eu estava disposto a arriscar. Passei a noite procurando o apartamento certo, pagaria 200 por mês junto com outro cara que já mora lá, tinha um quarto só pra mim e iríamos dividir o banheiro, sala e cozinha. Eu precisava tentar.

Com o chegar da noite, eu e minha mãe estávamos jantando, minha tia chegaria em alguns minutos.

- Você vai. - Demonstrei uma felicidade clara. - MAS - droga - você vai me ligar toda semana, vai falar quando precisar de dinheiro e vai contar quando estiver algo dando errado, se o seu parceiro de apartamento não for legal você vai voltar pra cá, sem beber e usar drogas, se eu tiver que te buscar na Cracolândia você sai de lá de baixo de socos e pancadas - Dou risada da minha fala exagerada da minha mãe. - TO FALANDO SÉRIO! E você vai vir me visitar sempre que puder, e um dia eu vou lá pra ver aonde você tá morando, trato feito? - Ela esticou a mão por cima da mesa.

- Feito! - Aperto sua mão e dou uma balançada, termino de comer o mais rápido que posso e subo as escadas o mais rápido que eu podia. Tinha dinheiro guardado para emergências e tinha no mínimo dois mil reais, usaria para me manter lá até arrumar um emprego e para chegar lá. Mandei mensagem para o dono do apartamento, Carlos, avisando que chegaria amanhã. Arrumei minhas malas e me joguei na minha cama, sorrindo. Então me lembrei do pessoal e dele, precisaria dar tchau para eles. Procurei um grupo nosso que não falávamos a mais de um ano, e mandei uma mensagem curta e rápida lá: "Amanhã vou para São Paulo, vou morar lá. Quero falar tchau para vocês, me encontrem na rodoviária antes do meio dia."
Era egoísmo da minha parte não despedir certo deles, mas queria evitar ao máximo qualquer memória do Patrick. Estava eufórico demais e não queria estragar isso.
Minha tia entrou no quarto, com lágrimas nos olhos.

- MEU BEBÊ! - ela se jogou em meus braços, e eu desesperado não sabia o que dizer. - Meu bebê vai pra São Paulo, meu bebê! - Soltei uma risada alta que foi acompanhada da risada de minha mãe, que abriu a porta nesse momento.

No dia seguinte, carregava duas malas, uma com todas as minhas roupas e pertences pessoais, e outra com todos os meus livros, não conseguiria deixar eles para trás. Minha mãe me deu vários abraços e beijos. Quando chegou o Uber que havia pedido, ela mandou várias mensagens falando que me amava e que já estava com saudades. Olhei as outras mensagens e todos falaram que viriam, menos o Patrick, que só visualizou. Chegando lá, faltava ainda uma hora para o ônibus chegar. Coloquei os dois fones e o meu livro e tentei me distrair, mesmo que a ansiedade não deixasse.
Duas pessoas pararam na minha frente, olho para cima e Amy e Aurora estavam parados a minha frente, com Sara e Scott logo atrás.

- Bob! - Aurora me abraçou fortemente e tentei retribuir na mesma intensidade. - Por que isso agora? Vou sentir sua falta, demais.

- Eu preciso sair dessa cidade, Aurora. Culpa de terceiros. - Ela entendeu de quem eu estava falando. Abracei a todos, já com lágrimas nos olhos.

- O ônibus chega que horas? - Olho para o relógio, 11:50.

- Daqui a dez minutos eu pego ele. - Ela suspirou fundo. Dez minutos. Apenas dez minutos para eu sair daqui e seguir minha vida em um lugar totalmente novo. Ficamos conversando sobre coisas banais até o ônibus chegar. Os olhos de Aurora se encheram de lágrimas, até ela se desmanchar em um choro silencioso.

- Vou sentir sua falta. - A abracei enquanto dizia que também sentiria a falta dela. Despedi de todos e guardei minha mala no ônibus, entreguei meu bilhete para a moça que estava recolhendo e entrei no ônibus. Dei uma última olhada para eles e me controlei para não chorar também. Ao sentar no meu lugar, a último assento, olhei para fora. Eles acenavam freneticamente. Sorri e acenei de volta. Então eu o vi. Ele veio correndo, com a roupa do mercado que ele provavelmente estaria trabalhando. Parou para respirar e me encarou. Lágrimas brotaram nos seus olhos e desceram lentamente pelo seu rosto, como se a gravidade estivesse vacilando, jurava que a qualquer minuto as lágrimas começariam a flutuar. Ouvi ele cochichar um eu te amo, que não foi audível aos meus ouvidos mas o meu coração ouviu em alto e bom som. Mas, algo havia mudado. O "eu te amo" dele não me trouxe um fervor no peito e nem fez minhas borboletas dançarem no meu estômago. O ônibus havia começado a andar, falei um "eu não" que o atingiu em cheio. Os joelhos dele vacilaram, ele ameaçou cair mas ficou inteiro, creio que só por fora. Eu não chorei nem nada do tipo, foi bom eu sair dessa codependência e parar de pensar que minha vida dependia dele. Minha vida só depende de mi, e eu provaria isso nessa nova vida que eu criaria em São Paulo. Um novo recomeço.

O Que Meu Coração Me DizOnde histórias criam vida. Descubra agora