A apresentação

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Acordei naquela manhã com o nervosismo me consumindo. Hoje era o grande dia. Após alguns anos de pesquisa árdua e muita dedicação finalmente eu iria apresentar o protótipo do meu trabalho académico, trabalho esse que eu fiz praticamente sozinho já que nenhum professor foi capaz de me orientar, todos diziam que era sem nexo ou lunático, mas eu segui com as minha ideias e pretendo não abrir mão delas.

Tomei um banho longo enquanto decorava minhas falas, fingindo apresentar para uma plateia invisível. Logo após vesti meu terno mais arrumado, e ajeitei meus longos cabelos cacheados, desistindo de deixá-los alinhados, às vezes acho que eles possuem vida própria. Saí do meu quarto no qual um dia já foi compartilhado, mas meu colega de quarto foi embora, então se tornou apenas meu, achei a nova mudança ótima, já que a cama do meu antigo companheiro agora servia de depósito para meus incontáveis livros de astrologia, entre outros. Segui pelos corredores repassando mais uma vez minhas falas, com certeza quem olhasse de fora, pensaria que sou um cara louco qualquer, na verdade já pensam isso de mim.

[...]

Chegando no grande auditório, fiquei em uma fila para esperar minha vez de apresentar. Pelas cortinas eu já podia ver a quantidade de pessoas que vieram assistir à apresentação, a ansiedade me fez tremer um pouco, mas respirei fundo e continuei a escutar as outras apresentações, não eram muitas naquele dia, mas todas eram bastante longas, já que era a primeira etapa de entrega, e todos devem defender suas teses, na esperança de que a bancada se interesse e lhe abra possibilidades, como publicações, bolsas científicas ou melhor, uma oportunidade de levar o projeto adiante e conseguir desenvolve-lo, e essa é a que me cativa mais.

- Parabenizo o senhor Tim por essa apresentação, do seu trabalho sobre como fazer bebidas mais fermentadas, agora temos o aluno da turma do 6º período de astrologia, Brian Harold May.

Meu coração disparou em uma velocidade absurda. Juntei o resto da coragem que me restava e subi no palco. Organizei o material que eu trouxe para apresentar, contei até três e iniciei.

- Bom dia, caros professores. É uma honra estar diante dessa bancada. Bem, sei que como aluno de astrologia meu trabalho deveria se tratar de algo relacionado a tal tema. Contudo, decidi focar meus estudos e energia em algo ainda mais urgente, os seres vivos, mais precisamente os animais ameaçados de extinção, segundo algumas pesquisas que fiz, tomei como exemplo o tigre, em 1950, existiam cerca de 4 mil exemplares desse tigre no mundo. Atualmente, uma projeção otimista coloca esse número como 80, sendo que desde 1970 nenhum deles foi avistado na natureza. O massacre maior aconteceu em 1959, quando o governo chinês declarou o animal como praga e encorajou a caça. Ou seja, estamos em situação de alerta. Então, meu trabalho incentiva a proteção de espécies como essa, mas não apenas isso, eu também proponho o fim de exploração desses animais para entretenimento, como zoológicos e circos, esses animais estavam bem sem nós e permanecerão assim. Então, não podemos mais interferir em suas vidas naturais, para isso eu desenvolvi um protótipo de uma máquina capaz de fazer projeções realistas desses animais, para que assim não precisarmos mais prendê-los em cárcere ou usarmos de habilidades não naturais para brincadeiras nada saudáveis em circos e parques, com essas imagens 3d poderíamos continuar a estudá-los, mostrá-los ao público e assim deixaríamos que eles continuassem em seus habitats naturais, vivendo com seus bandos livres, como deveria ter sido desde o início - Concluí minha fala, e pude ver o silêncio se instalar. Todos permaneceram quietos, até que um dos membros da bancada se ergueu.

- Sem dúvida é uma pesquisa exótica. Entretanto, é como o senhor mesmo colocou no início, esse não é bem um trabalho de origem astrológica. Esperávamos algo mais próximo da sua graduação. Creio que seja um trabalho interessante e curioso, mas não se encaixa no nosso limite tecnológico, e também não despertará euforia no senso comum - Proferiu me deixando destruído por dentro, passei anos estudando modos de desenvolver esse trabalho, e eu sabia como.

- Mas senhores, eu não conclui minha defesa, se me deixarem explicar o método, eu saberi...

- Para mim, esse trabalho não está aprovado – Interrompeu-me - É muito sonhador e pouco funcional - Disse outro professor da banca. Pude ver o olhar divertido dos meus colegas, com certeza estavam se divertindo com as críticas.

- Discordo! - Gritou alguém no meio da plateia. Olhei à procura do som, e encontrei um ser pequeno de cabeleireiras loira como ouro, seu uniforme era despojado. Ele me pareceu um tanto quanto enigmático - Foi um dos melhores trabalhos apresentados aqui. Sinceramente, vocês são loucos em não admitir que esse trabalho tem um puta potencial. Vocês aplaudiram um cara que disse que aumentar o teor de fermentação de bebida barata era uma grande descoberta, não querem investir porque lhes falta vontade, e não estou falando de disposição, me refiro a mudanças. São conservadores demais para quem lida com ciência - Disse, claramente revoltado. Não vi a reação da bancada, porque naquele momento não consegui desgrudar os olhos dele por nem meio segundo.

- Como o senhor intrometido se chama? - Perguntou um dos professores com um tom explícito de deboche.

- Roger Taylor - Respondeu de forma simplista.

- Pois pode fazer o favor de se retirar, senhor Taylor. Interrompeu uma avaliação de um trabalho acadêmico. Fique feliz por não sair daqui direto para a coordenação - Falou, sarcástico.

- Eu me enganei professor. O que lhes falta não é vontade. Na verdade, isso tem outro nome, covardia. São covardes demais para mudanças - Completou.

- Para a coordenação Sr. Taylor! - Exclamou.

- Foi um prazer ouvir sua brilhante pesquisa, futuro doutor Brian May - Proclamou sorrindo em minha direção. E posso jurar que estou com uma cara de bobo. Continuei a olhá-lo até sua saída, e me senti anestesiado.

- Pode se retirar Sr. May. Essa apresentação acabou - Voltei a realidade, saindo do palco. Posso ter perdido minha bolsa e algumas coisas a mais. Sim, isso destruiu meu dia. Mas, por algum motivo não estou tão abalado quanto achei que ficaria, tudo graças aquele loirinho.

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