Dia 2

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- Vai se atrasar, querida. – Apressou meu pai, mesmo que eu, na verdade,  estivesse adiantada.

Respondi com uns resmungos pouco compreensíveis  por causa da pasta de dente nadando pelo meu tubo bucal e acenei para  que ele esperasse, mesmo que meu pai não fosse capaz de ver através da  parede. Quando acabei (de escovar os dentes e não de acenar), fui ao meu  quarto pegar minhas apostilas e meu carregador e meu livro e minha...  Onde estava minha carteira?!

- Ju! – Foi a vez da minha mãe.

Meu Deus, eles precisam aprender que eu não funciono sob pressão. Carteira, carteira, carteira...

- Não esquece de pegar uma blusa!

Oh, God, dai-me paciência. Grunhindo e chegando à conclusão de que teria  que roubar o lanche de alguém hoje, só peguei a primeira blusa que eu  vi na frente e deixei meu quarto, berrando um "Tchau, mãe!" enquanto  saía apartamento afora.

Não achar a carteira quando estava precisando era um tremendo de um  azar. A vida mostrou que eu estava errada quando, sem querer, sentei em  cima da minha blusa ao subir no carro e senti um troço duro na minha  bunda (sem malícia, você) e adivinha o que era? Não, mente podre, não  era o que você estava pensando, era só minha carteira!

Satisfeita, guardei a carteira na bolsa depois de conferir o dinheiro e  nesse exato momento meu pai abriu a porta do carro e entrou.

- Você nem tomou café. – Comentou, pegando os óculos de sol. Meu pai  nunca dirigia sem óculos de sol, mesmo que agora fossem exatamente 06:19  da manhã e não tivesse sol nenhum do lado de fora. Vai entender.

- Sem fome.

- Dormiu bem? – Perguntou, arrumando o retrovisor. Acho que já deu para  perceber que meu pai tinha um tipo de ritual no carro antes de  finalmente dirigir.

- Sim.

- Que bom, querida.

Eu posso explicar meu silêncio. O negócio é o seguinte: antes das sete,  eu não falo. Pode ter o cara mais gato do mundo, pode ser Adam Levine na  minha frente, mas antes das sete, o máximo que direi a ele será "I love  you".

Meu pai não era exceção a essa regra.

(Aaaah, a quem eu quero enganar! É claro que eu faria o maior escarcéu  pelo Adam, até se fossem três da manhã, mas isso não vem ao caso agora).

Cheguei à escola atrasada, como sempre, e Renato tirou a bolsa dele da  carteira que estava atrás de Let para que eu me sentasse. Eu bem ia  dizer um "olá" monossilábico, talvez mudo, para meus amigos, mas a  professora Fátima entrou na sala naquele exato momento, me poupando de  interagir com quem quer que fosse.

- Bom dia, tchurma! – É, ela falava desse jeito mesmo. Como se  estivéssemos na quarta série, ou terceira. – Antes de começar a aula,  quero lembrar da doação de roupas ao orfanato. Levanta a mãozinha quem  se voluntariou para ajudar a levar as roupas.

Meio rindo, Daniel, Anna, Let, Renato, Rafa e eu levantamos as nossas  mãozinhas, ao mesmo tempo em que mais três garotas na frente da sala.

- Ótimo. Não se esqueçam de dar seus nominhos na secretaria, docinhos. –  Completou, nos olhando por cima dos óculos. Foi a deixa para abaixarmos  as nossas mãos... zinhas.  Eu gostaria de dizer que a professora Fátima  era uma senhora fofa com cara de vovó, mas na verdade, ela não tinha  nem trinta anos. Alô, tia, todos nessa sala tem entre dezesseis e  dezessete anos, se toca!

- Bom, vamos lá. Gostaria que meus lindinhos abrissem na página quarenta  e três. Vamos começar fazendo uma pecinha, que tal? Vem cá, Juliana,  você vai ser Anna Bolena. E você, querido Renato, vai ser o...

E já dá pra ter uma ideia de como é a aula dela. Bem, é uma aula  bastante divertida se você considerar que é história, mas ainda não  havia passado das sete e, portanto, para mim nada seria divertido até o  relógio virar.

Depois do intervalo, andei até minha sala, fiquei confinada naquele  mesmo espaço por um longo tempo e só quando fui liberada que me  perguntei onde estaria meu vizinho. Será que ele havia cabulado? Ele chegou ontem, talvez ainda estivesse se  recuperando da viagem e coisas assim.

Quando voltei ao apartamento, porém, não dei mais de cara com ele.


conversa no WhatsApp

•Tá tudo dominado

Ju: Sdds vizinho
Rafa Mozao: Sdds
Let: Sdds
Renato Zoreba: Af
Daniel: Af
Ju: USHAAUAHAHA VCS SÃO TÃO ESTRANHOS
Ju: AMO
Pedro: kkk vdd
Anna: Que vizinho?
Ju: O novo
Rafa Mozao: Eu sei quem é lalalala
Let: Oxe, da onde?
Ju: Nós três fizemos a FUVEST no mesmo prédio ano passado
Let: Ah. Que coincidência
Anna: Isso é destino! Haha
Daniel: Pqp que coincidência
Ju: Ai gente, meu pai tá chamando.

Bloqueei o celular e fui ver o que meu pai queria.

Pensei em Victor, e na nossa conversa de ontem. Ao longo da tarde  imaginei que ele, seu sorrisinho babaca e suas respostas engraçadinhas  iriam dar o ar de sua graça, mas isso não aconteceu.

Fiquei esperando por muito tempo, e como não rolou, resolvi desencanar.  Ele deve ter fugido de casa. Deve ter cabulado. Deve ter voltado para o Rio de Janeiro. Não sei. Aliás, por que eu estou tão interessada?

Burn with you - Neagle FanfictionOnde histórias criam vida. Descubra agora