Dia 9

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Passei a manhã inteira evitando o Matheus. É, também não sei o porquê.  Rafa disse que eu estava bem aérea durante a aula, Let me chamou três  vezes antes de eu finalmente respondê-la, e Anna precisou me furar com a  ponta da caneta para eu prestar atenção no que ela falava.

Minha prova  estava até fácil, mas sem querer, disse uma das respostas em voz alta  quando Daniel me chamou, e quase fui parar na diretoria. Para ter uma  noção da minha situação, Renato escondeu meu celular na primeira aula e  devolveu quando meu pai estava virando a esquina para eu ir embora.

Ele tinha pegado meu celular e eu nem havia percebido de tão lenta que estava naquele dia.

  E o motivo era um só: Victor.

Ontem ele estava diferente dos outros dias. Parecia mais cansado, mais  pálido, mais magro, porém de alguma forma, seu sorriso estava mais  claro, seus movimentos mais vivos e ele estava inspirando uma felicidade  que nem eu mesma sabia de onde vinha. Tinha alguma coisa acontecendo  com ele. Isso era um fato.

E eu não descansaria até descobrir o que era.

Assim que cheguei ao apartamento, corri para dentro a fim de pegar o  sinal do Wi-Fi, mas para minha grande decepção, não havia mensagens de  Victor e ele não estava online. A última mensagem tinha sido a minha, um  solitário "Tenha uma boa noite você também".  Dei de ombros.

Fui ao meu quarto, troquei de roupa e fingi que estava tudo certo.  Almocei com meus pais, mas não escutei o que eles conversavam. Apenas  comi.

  Veja bem você: Eu não estava apaixonada por Victor. Eu saberia se  estivesse e eu não estava. O que sentia por ele era tão grande que fugia  do interesse amoroso da coisa. E olha que eu só o conhecia há nove  dias.

Quando deu três horas da tarde e ainda estava sem mensagens dele,  resolvi ligar. Liguei três vezes e apesar de ter chamado da primeira  vez, as duas seguintes caíram direto na caixa postal, como se ele  tivesse ignorado minha ligação de propósito e desligado o celular em  seguida.

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•Matheus
Ju
E a minha coca?

Sorri ao ver a insistência de Matheus nessa coisa toda. Respondi a ele  dizendo que a gente podia se encontrar na sorveteria de sempre e corri  para tomar banho. O frio de ontem passou muito rápido e São Paulo voltou  ao seu maravilhoso calor de cinquenta graus. Coloquei uma regata, um  short e meu chinelo, amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo e corri  porta fora, depois de deixar um bilhete "Fui até a sorveteria, volto  logo e te amo" para minha mãe.

Antes de pegar o elevador, bati na porta do 94, mas ninguém estava.  Franzi a face, mas deixei para lá. Estava quase trancando a porta quando  vi uma mensagem de Rafa.

 
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• Rafa Mozao
Pedro disse que viu seu boy saindo do bar
Junto com a polícia

Oi?! Queria muito saber a fundo essa história, mas não tinha tempo. Apenas tranquei a porta e sai, sem responder minha amiga.

- Olá! – Cumprimentei Matheus com uma acenadinha quando cheguei à  sorveteria. Ele sorriu para mim, acenando de volta. Fui até onde ele  estava. O filho da mãe já estava comendo.

- Nem me esperou? – Reclamei, com um biquinho.

- Não. Mas... – E aí ele apontou para um sorvete super chique na frente dele. – O seu já está aqui. Perdoado?

Baguncei o cabelo dele, sentando ao seu lado e puxando o sorvete até mim.

- Claro que está.

Ficamos conversando por mais umas duas horas, até meu pai ligar e pedir  gentilmente que eu voltasse para casa. E assim eu fiz, depois de um  beijo de cinema espetacular na entrada do prédio.

Na volta para casa, porém, não resisti. Eu tropecei e quando fui ver, nossa, já tinha tocado a campainha do 94. Nossa, uau.

- Ju?

Finalmente algum humano naquele lugar!

- Oi, Laura. Hm, o Victor está? – Ela deu um sorrisinho mínimo e se afastou para eu entrar.

- Claro. Vira à esquerda, última porta do corredor.

A casa deles ainda estava cheia de caixas fechadas, mas era claro, bem  parecida com a minha e dessa forma o quarto dele ficava exatamente no  mesmo lugar que o meu.

  - Victor? – Chamei, batendo na porta. Ele não respondeu, mas eu sabia que ele estava lá. – Vizinho?

- Ju? O que está fazendo aqui? Vai embora. – Resmungou baixinho. Ouvir aquilo doeu, mas não desisti.

- Estou te procurando desde quando cheguei da escola. Me deixa entrar.  Por favor. – Pedi, calmamente. Esperei mais uns dois ou três minutos  atrás de sua porta e quando estava prestes a ir embora a porta abriu.

Victor estava horrível. O queixo arranhado, o olho roxo, o galo na testa. Parecia que tinha sido atropelado.

  - Mas o quê...?

Ele rolou os olhos.

- Me meti em uma briga. No bar.

  Suspirei, me jogando na cama dele.

  - Está de castigo? – Ele riu.

- Castigo? Eu tenho vinte anos de idade, Júlia.

  - E ainda mora com seus pais. – Alfinetei, revirando os olhos. Ele coçou  a cabeça, mas não pareceu envergonhado. Só triste. – Eu não quis dizer  isso...

- Não, está tudo bem. – Ele hesitou. – Eu estou bem, Ju. Não precisa se preocupar comigo.

Encarei o chão.

- Certo. Bom. Então já vou indo. – Ele sorriu, vindo até mim e beijando meus cabelos. Tinha uma certa tristeza no gesto.

- Vai lá.

Cheguei em casa ainda meio atordoada. Tomei outro banho, conversei um  pouco com meus pais, apaguei a luz do quarto e peguei um pouco meu  celular antes de ir dormir.  E ela estava lá, clara e objetiva. Poderia ter sido uma mensagem fofa,  por isso fingi que não reparei na figura obscena no final dela. E depois  de lê-la e sorrir, guardei o celular e me afoguei satisfeita na  inconsciência.


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• Vizinho
Boa noite, Ju, sonhe com coisas boas ===3

Burn with you - Neagle FanfictionOnde histórias criam vida. Descubra agora