AS VEZES, buscamos o consolo onde não existe paz.
A balbúrdia que toma conta de nossa vida começa a se infiltrar em nossa mente também, cobrindo e enegrecendo cada milímetro de nosso cérebro até virar uma escuridão total. Não como em um filme, ou uma música; estes são só momentos, mas na vida real é algo que marca nossos corações da pior forma imaginável.
E é por isso que as pessoas cometem suicidio, não por um ato de fraqueza, mas por um ato de desespero. É como se, nada mais sobrasse, nem sequer pensamentos ou conversas para jogar fora com amigos.
E aos poucos, você se entrega a solidão.
Vovó havia me deixado naquele dia. Lembro-me das lágrimas percorrendo sua bochecha e cada centímetro delas, da ponta de seu nariz avermelhado e dos lábios rúbidos. Lembro-me também de nunca a ter visto chorar daquele jeito; para mim, a vovó era a pessoa mais forte.
Isso até sua pressão arterial obriga-la a viver presa em um cubículo de hospital durante seus últimos dias.
Mesmo quando o vovô a deixou ela não se abalou. Vestia seu largo e simpático sorriso de orelha a orelha, e mesmo que revestido por rugas de sabedoria e idade, para mim era o mais belo de todos, que sempre me recebiam com ternura enquanto abria o portão ruidoso e meus olhos se direcionavam a ela.
E isso mesmo em uma cama de hospital.
Meu buque de lírios ainda estava ao lado de sua cama quando os médicos anunciaram a hora de seu óbito, e quando ela se foi, levou consigo o último refúgio que me sobrou.
Já Amelie não resistiu ao meu parto. Nosso único contato foi quando ela me segurou em seus braços pela primeira vez. Vovó me disse que ela se referiu a mim como um milagre antes de sua vida escorregar por um abismo que a conduziria até sua morte.
Papai não tinha tempo para mim, seu trabalho ocupava a maior parte de sua vida. Esse fora o motivo para ele não ficar com minha guarda e voltar para seu país após a trágica morte de sua noiva. Mesmo que, eu nunca tenha visto o seu rosto e recusava-me a perguntar seu nome para minha avó, ele sempre fazia questão de me enviar cartas e presentes a cada aniversário, além de uma pensão generosa da qual nos manteve firme por todo esse tempo.
Em meu aniversário de treze anos ele me enviou uma boneca de porcelana francesa. Disse, na carta que a acompanhou de Regalia até nossa casa amarela, que eu era tão bonita quanto o rosto corado e suave daquela boneca. E me questionei como papai poderia ter tanta certeza de algo que nem sequer teria visto.
Nunca concordei com suas palavras. Assim como todos os colegas da escola nunca concordaram.
Eu já havia me contentado em ficar sozinha, ou na companhia de Lara com seus óculos gigantes e cabelos tão rebeldes quanto leões, mas acima de tudo sua autoestima era inabalável.
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A princesa do jardim de borboletas
RomansaAntes de seus dezessete anos, o mundo de Melinda limitava-se apenas ao fundo de um quintal de uma casa amarela com portões de ferro e uma cama de hospital que abrigava a vida de sua avó. Mas quando a morte clama pela vida de Rose, Melinda se vê...