A pedra aceitou o item, mesmo com os resquícios de sangue e catarro. Aquilo serviria aos seus propósitos.
— Sente-se apta para a quarta tarefa, minha jovem? — questionou, sabendo que Anamélia responderia afirmativamente, como de fato ocorreu. — Pois bem, vejamos! Preciso das cinzas de uma fênix, sabe?
— E ainda existem fênices? — surpreendeu-se a garota, erguendo a sobrancelha esquerda.
— Sim, sim. Não tanto como em épocas distantes, mas há sim. Duas espécies, para você ter ideia. Uma é muito parecida com uma águia ou falcão, não muito bonita quanto a outra; tem penas de cor de bronze, com penachos prateados; costuma viver em florestas e bosques, onde faz o ninho no solo, pois trata-se de uma criatura da terra e do ar, oriunda do húmus; quando percebe que a morte se aproxima, constrói um belo ninho com folhas e gravetos em estado de decomposição, no qual se deita e quebra o pescoço, cometendo suicídio; no dia seguinte, seu corpo está podre e oco por dentro, exceto por um detalhe: há um verme se formando em sua carne fedorenta; no próximo dia, a larva ocupa o espaço antes vazio, que lhe serve de ovo; e no último dia, o verme se assemelha a um filhote de pássaro, tornando-se uma nova fênix em uma ou duas semanas, já adulta e pronta para viver outros setecentos anos.
Era uma espécie desconhecida pela jovem sonhadora. Nos livros que lera nada era mencionado sobre tal animal nascido e renascido da putrefação.
— E a outra, que é muito bela — prosseguiu a pedra, com aquela sapiência típica das rochas —, é muito parecida com uma garça, com penas rubras e penachos dourados. Costuma viver em desertos a maior parte da vida, exceto numa determinada ocasião, quando ruma para locais específicos, como o jardim botânico adjacente ao parque, onde constrói um ninho com flores e plantas aromáticas, galhos de videira e folhas de carvalho; lá aguarda que o calor de seu corpo provoque a combustão do vegetal, que se seca com o aumento constante de temperatura corporal; é um processo que costuma demorar muitos dias para acontecer, mas a ave é paciente, ao contrário de sua prima da floresta; quando o ninho queima, ela canta uma canção alegre e é consumida pelas chamas, tornando-se cinza; por três dias nada parece viver entre o pó, porém ao final do terceiro dia, emerge um filhote, que em uma ou duas semanas torna-se adulto, vivendo outros dois mil anos.
Esta a fênix que Anamélia conhecia!
— Claro que mencionam uma terceira espécie, que habita as encostas do mar, contudo nada sei sobre ela para lhe contar, minha cara — completou a pedra, com um tom de voz que soou como o de vergonha.
— Tudo bem — falou a moça, sorrindo com sinceridade. — Mas, se eu entendi bem, devo ir ao jardim botânico e encontrar as cinzas da fênix e pegar um pouco. É isso, certo?
— Perfeitamente!
E assim a garota partiu para a missão.
A transição de ameno e frio já não mais incomodava a jovem. Na verdade, o inverno rigoroso era muito mais agradável do que aquele pântano, apesar de o bosque ser muito melhor. O clima gélido era ruim, mas nada comparado aos odores putrefatos de pouco antes. E, além disso, o jardim botânico não era tão longe; e todo o percurso não demorou mais do que seis ou sete minutos. O mais complicado foi, sem dúvida, escalar o muro e passar para o lado de dentro. Ela feriu os dedos das mãos, mesmo estando com as luvas de lã, e sofreu algumas quedas antes de conseguir atravessar.
No lado interno, tudo parecia mergulhado no mais absoluto silêncio, e as poucas aves que residiam ali estavam recolhidas num sono profundo, próximas umas as outras, aquecendo-se naquela madrugada tão sinistra. Poucas plantas pareciam adaptadas ao constante ciclo de neve, vento, neve, vento e frio, e ainda assim eram todas marcadas por queimaduras causadas pelo gelo implacável. Era curioso notar, entre as que costumavam produzir flores em climas mais calorosos e deliciosos, como se encolhiam como crianças dorminhocas.