A facilidade da última tarefa inquietava Anamélia. Não que a pouca dificuldade fosse algo ruim, porém ansiava desafios, como foi a primeira. Era um pensamento simples o que ela tinha: nada que valesse realmente a pena seria fácil, pois haveria sacrifícios e muito trabalho envolvidos. Sem o esforço necessário, sem a dedicação permanente, absolutamente nada adiantaria; e, mesmo que o premio fosse alcançado, não teria o mesmo sabor.
— Pois bem, não percamos tempo, pois ele é extenso e ainda assim escasso — falou a pedra, trazendo a jovem de volta. — Pronta?
— Sim. O quanto antes acabarmos melhor.
— Exato! Por isso, minha cara, preciso de um pouco da saliva de uma criatura que vive no pântano deste bosque. Ela se diz rainha sobre todos os demais de sua raça, que tem extrema aversão aos homens. Robustas e violentas, devoram o aventureiro desavisado e a criança perdida. Possuem a força de cem ou duzentos soldados e se divertem com a chacina. E aquela que se denomina rainha é a mais perversa de todas, pois não apenas mata e come seres humanos como também os machos de seu clã. Incapaz de amar, nenhum recém-nascido de seu ventre durou mais do que um minuto. Assim, tão odiosa, isolou-se no recanto mais sombrio, entre o bosque e um pântano imundo, clamando ser dona de tudo e brigando com todo aquele que discordasse. E lá está ela até agora, ora ou outra recebendo dos outros ogros tributos como uma forma de aplacar sua fome e evitar que mais semelhantes morram. Sua saliva me servirá para o que pretendo. Você conseguiria ir a sua morada e me recolher um pouco?
Anamélia estremeceu e vibrou, num misto de medo e alegria. Era o desafio que ansiava; tão perigoso quanto o primeiro. E ainda conheceria uma fera monstruosa que estava presente em inúmeros contos de fadas.
Seguindo as orientações da pedra, ela caminhou pelo bosque encantado, pensando em como obteria o item que precisava. Arquitetou planos não muito complicados, talvez ciente de que acabaria improvisando, se fosse o caso. Grandes e complexos planos tendiam a se perderem ao menor desequilíbrio ou mudança de movimento, portanto não compensavam tanto quanto deveriam. Os simples, em muitos casos, mostravam-se os melhores.
Quando o bosque acabou, um ambiente nefasto se iniciou. Não foi uma transição, e sim um fim brusco, seguido do surgimento repentino do pântano. Nada que preparasse a jovem para o odor podre e o visual grotesco; simplesmente ocorreu uma mudança imediata. Algo semelhante ao clima da praça e o do bosque.
Tapando o nariz com os dedos, Anamélia ficou zonza por algum tempo, desacostumada com o cheiro de carniça que emanava dos gases que saíam de tantos buracos espalhados na terra e no lago morto, onde provocavam bolsas de ar medonhas e nojentas ao estourarem. Repugnância seria uma boa palavra para resumir o que ela sentia enquanto pisava na lama negra e pegajosa ou nos ossos amarelados distribuídos pelo chão.
Seus olhos heterocromáticos buscavam o casebre da ogra, numa esperança estranha. Não havia medo em seu espírito, como era o esperado, nem coragem, como era o recomendado. Apenas aquele sentimento ansioso de que tudo começasse e acabasse o quanto antes para que ela pudesse ir para a tarefa seguinte. E assim procurava o antro da criatura desdenhosa e orgulhosa.
Não achou como pretendia, mas de forma indireta.
Avistou um grupo pequeno de ogros, seres maiores do que um urso de pé, porém sem pelos, e sim com uma pele rugosa e coberta de feridas e pus. Arrastavam algo, um animal que pareceu um novilho, que se debatia ora ou outra, resistindo aos puxões violentos. Conversavam entre si, o que chamou a atenção da garota, que se aproximou com muita cautela.
— Sempre estúpida! — gritava um dos monstros, que portava uma clava feita do tronco de uma árvore. — Ela é incapaz de limpar a bunda, e ainda assim se diz nossa rainha!