Está tudo escuro demais. Não sou capaz de enxergar com clareza. Ao meu redor, a cor azul-marinho reina. Com esforço, depois de piscar várias vezes para ajustar a vista, percebo que são nuvens. Apenas nuvens. Em uma noite sombria e sem estrelas. Meus olhos se acostumam. Ouço trovões. Vejo raios. Eles dão existência ao roxo que eu não havia notado, misturando-se à cor predominante, semelhante à do mar em um temporal.
Me viro. Para um lado. Para o outro. Onde estou? Uma parte da lua cheia fica à mostra. Por que estou tão perto? Mais barulhos e fios reluzentes desenham o céu. Uma gota de chuva cai no meu rosto. Outra. Várias. Vejo um vulto entre a tempestade que começa. Meus cílios molhados dão a impressão de que acabei de chorar. A silhueta escura para. Com mais definição, enxergo as asas pretas. Minha esperança provoca uma dor em minha garganta. Já não sei se meus olhos estão molhados só pela chuva.
— Mingyu? — Minha voz sai rouca. Um pouco falha. Muito fraca. — É você?
Sorrio quando a sombra vem em minha direção. Para em minha frente. No instante em que decido me entregar ao abraço que cada átomo do meu corpo deseja, outro raio cai. Dessa vez, mais próximo. E então, ilumina o rosto do anjo.
Me afasto. Não é ele.
Penso que a luz fez sua pele parecer diferente, mas logo noto que ela é realmente cinza. Seu rosto está coberto por cortes profundos. Os dentes aparecem junto do sorriso assustador — mais afiados que os de um tubarão. Procuro o branco de seus olhos. Não encontro. O preto os cobre por completo.
As asas não são como as dele. Dessa vez, percebo. Elas não possuem o mesmo formato. Nem a mesma quantidade de penas. Há espinhos gigantescos em suas pontas. Ele se aproxima. Eu me apavoro. Ando para trás, ainda virada para o ser. Só então me dou conta de que estou andando sobre nuvens. E nuvens têm um fim.
Com o pensamento atrasado, caio, e o anjo negro se distancia aos poucos da minha visão. Quase grito por sua ajuda. Mas o som sai apenas como um ruído ensurdecedor, sem frase formada. Minhas lágrimas aumentam. Os pingos da chuva pesam, competindo com o meu corpo para ver quem chega ao solo primeiro.
Espero que não seja eu.
Tampo o rosto e aperto as pálpebras.
— SOCORRO! — clamo, soluçando. — MINGYU!
Entre gritos libertos, meus olhos se abrem, encontrando o teto do meu quarto. Fecho-os novamente. A umidade em minhas bochechas aumenta. As lágrimas escorrem sem parar. São motivadas pelo meu medo de altura. Pela criatura horripilante que me visitou em um pesadelo. Mas, principalmente, pelo fato de ter chamado seu nome e não ter recebido resposta. Por querer vê-lo tão desesperadamente. Por meus lábios que formaram seu nome depois de tanto tempo. Que gritaram por ele. Mas nenhuma resposta veio de volta.
Não o encontrei naquele mundo, e nunca o encontrarei neste.
Tento me fazer presente e lembrar que foi só um pesadelo. Que acabou. Levanto e enxugo o rosto com a parte de trás das mãos. Meu desejo é tomar um copo d'água para acalmar as batidas desconcertadas. Mas meus passos escolhem outro caminho.
Fito a sala repleta de quadros. Me abaixo diante daquele encostado na parede. O primeiro que fiz, por me dar inspiração junto de muitas outras sensações. O anjo que quis encontrar está à minha frente. Apenas em uma pintura. Acaricio os traços como se fosse seu próprio rosto. Meus dedos param nas asas. Ainda posso lembrar como soavam ao levantar voo, quando meu corpo estava contra o dele. Não existia medo de olhar para baixo, contanto que ele estivesse ali para me segurar.
Fecho a porta cuidadosamente, guardando minhas tão preciosas criações. O único jeito de não esquecer sua aparência.
A casa está escura. Meus pés descalços tocam o chão frio. A janela da cozinha mostra a chuva forte que cai lá fora. Ouço trovões, e o pavor se instala. Bebo o líquido transparente tão rápido que quase me engasgo. Corro para debaixo das cobertas, mas mantenho os olhos abertos. Quero evitar a ideia de dormir novamente.
Mesmo lutando contra, acabo pegando no sono pouco tempo depois. Foi uma noite mal dormida. Me remexo na cama, sem vontade alguma de sair das cobertas neste frio. Estico o braço e busco o celular sobre a cabeceira, ainda com os olhos fechados.
O horário me faz querer voltar a dormir. Mas, ao invés disso, me perco olhando para o nada. O rosto do anjo ainda está fresco em minha mente. Perambula por ela sem parar. Se é que aquilo pode ser chamado de anjo. Se eu passasse a imagem para um papel, me livraria dela? Me pergunto isso diversas vezes e decido não fazê-lo. A cada momento, a ideia se torna mais assustadora.
Quando acordo de vez, esqueço a possibilidade de descansar mais. Lavo o rosto e noto que as olheiras não estão tão profundas quanto imaginei que estariam. Enquanto tomo café, tento programar o que farei pelo resto do dia. O tempo está ótimo para continuar em casa, aquecida. Parece que vai voltar a chover a qualquer momento. Mas sinto saudades de ir ao meu restaurante favorito. Ao fechar os olhos, consigo sentir até mesmo o sabor do japchae mais saboroso da minha vida.
Ando pelas ruas com meus óculos, que não foram esquecidos desta vez, e um sorriso no rosto para acompanhar. O clima nublado é o motivo dele. Simplesmente porque é o meu favorito.
Alguns pássaros voam entre as nuvens brancas e cinzas. Meus passos, antes lentos, agora se apressam para acompanhá-los. Não sei ao certo se estão indo ou voltando, mas os observo, admirada, vidrada e curiosa. Entre as nuvens, estão sãos e salvos. Estão tão longe do chão, mas, ao mesmo tempo, me sinto perto deles.
Em poucos segundos, meus olhos deixam de acompanhá-los. Eles se distanciam. Desaparecem. Um dia, talvez eu possa vê-los novamente. O céu fica mais escuro.
Acabo me desligando do trajeto e noto que estou em frente à estação e apago a ideia de ir de ônibus. O lugar está cheio. Enquanto espero meu trem, um arrepio percorre todo o meu corpo. Uma sensação estranha me domina. Um arrepio que familiar. Olho ao redor, sentindo-me desconfortável. Tudo normal. Menos as sensações incontroláveis.
Antes que minha paranoia se agrave, o trem chega. Tento andar com mais pressa para conseguir um lugar para sentar. Esbarro em algumas pessoas e peço desculpas de imediato, ainda que elas não tenham escutado. Algo me faz parar. Algo ainda mais forte e angustiante. Olho para o lado. Apenas rostos desconhecidos. Mas procuro por alguma coisa. Só não sei o quê, exatamente. Não sei quem estou tentando encontrar. A cada passo que dou em direção ao vagão, a sensação começa a diminuir. Uma dor se instala em meu peito. Me acomodo no assento vazio. Tudo ao redor se silencia. Uma imensidão de pessoas. E nenhum som sequer. Apenas as batidas descompassadas do meu coração.

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Sky. (Mingyu)
FanfictionA vaga lembrança de se deitar sobre a grama com sua mãe, depois de correrem alegremente pelo jardim, e de observar o céu que a encantou mais que as flores do lugar, persiste. Naquele dia, Maya quis desesperadamente ver uma estrela cadente. Em compar...