Só pra te fazer dar gargalhada

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*Vitória*

Esse papo de festa da galera da escola em Araguaína nunca foi pra mim, mas já que estamos aqui é melhor dançar e aproveitar o que a vida trouxe. – pensei enquanto sorria para meus amigos que falavam como matracas e eu tentava me concentrar no que eles diziam.

- Olá meu povo, como é que cês tão? – Escuto uma voz muito mais animada do que eu estava até então e me viro para ver quem falava com meus amigos com tanta animação.

Ana Clara Costa, mais velha que eu 1 ano, partilhamos a mesma escola a vida todinha, a menina das festas que andava por outro estado estudando medicina e a família só falava do quão incrível era sua filha futura médica. Pensei que deveria mesmo ser incrível sua família andar por aí tão orgulhosa de você, que tinha achado um rumo tão nobre para seguir ainda tão moça. Pensei que de tão festeira que ela parecia ser no Ensino Médio, ela trazia a festa até em sua voz e nos abraços e beijos que distribuía aos amigos.

Enquanto me perdia naqueles pensamentos sobre a moça da voz alegre ela veio cheia de sorrisos, já dando beijinhos na minha bochecha e me cumprimentando, e me soltou um simpático:

-Vitória, certo?

Acenei positivamente com a cabeça quase que imediatamente, dizendo:

- Oi, Ana Clara. Tudo bem?

Ela sorriu e acenou positivamente enquanto já abraçava e falava com outras pessoas ao redor e distribuía sorrisos e beijinhos por todos os lados. A observei por alguns instantes enquanto ela terminava de cumprimentar nossos amigos e pensei que, se ela fosse da minha família, eu também sairia por aí gritando a felicidade que ela me dava por todos os cantos.

Enquanto conversávamos em grupo eu não conseguia parar de observar aqueles movimentos e aquela risada alegre daquela moça que resolveu se levantar para dançar em algum momento, ainda sorridente se esvaiu por entre as pessoas e resolveu ir dançar. Fiquei por ali, com os amigos, gastando uma boa conversa que a saudade tava imensa desde que me mudei pro Rio e férias eram feitas para matá-las.

Gabi me levantou e arrastou para dançar junto e aos poucos fomos o grupo inteiro parar na pista de dança, rindo, nos divertindo, meio altos, é verdade, porém soltos e alegres nos esparramávamos na pista e, embora aquela menina baixinha ainda prendesse minha atenção vez ou outra, eu já estava com medo que ela me achasse pisicopata, então diminuí a frequência dos olhares para a moça suada e dançante com seu vestidinho a minha volta.

De repente, sinto uma mão pequena em minha cintura, viro para saber quem era e lá estava Ana Clara sorridente, brincando de me girar, com uma intimidade que até aquele momento eu não sabia que tínhamos. Dançando comigo ainda, ela disse:

- Ei, dona Vitória, vamos ali comigo pegar uma bebida?

Resolvi acompanhá-la, ainda confusa sobre o que estava acontecendo e de como viramos amigas ao ponto de Ana Clara chegar assim me arrastando pelos lados de lá e cá e dançando e chamando, enfim fui sem entender mesmo porém aceitando as cartas postas. Chegamos no bar da festa e ela começou:

- Então, eu não costumo fazer isso com pessoas que acabei de começar a falar, mas o Dan, aquele menino que tava dançando comigo, tá querendo conversar contigo e tá com mais vergonha que eu de vir aqui, então, tu quer?

Comecei a rir de como alguém poderia ficar sem jeito de chegar em mim para outra pessoa e do jeitinho confuso que ela tava falando algo tão simples. Acho que ela percebeu que eu estava achando mais fofo do que debochando e começou a rir também.

- Olha, ele é bonitinho, mas não sei se tô muito pra paquera agora não. Tô louca de saudade dos meus amigos hoje, fazia 6 meses que não nos víamos e eu nunca tinha ficado tanto tempo longe de casa e aí eu tô ali presa naquela energia familiar e gostosa que só nossa casa e nossos amigos tem e aí...

Fui interrompida pela risada de Ana Clara, fiquei sem entender do que ela estava rindo até que ela emendou em dizer:

- Para quem estava muito caladinha a noite toda, você pode falar a beça né?

- Desculpa, é que quando eu falo, eu falo mesmo e eu não queria dizer não porque ainda não sei se quero, mas também não quero agora e não sei se mais tarde vou querer, tu entende?

Ana Clara ria tão alto agora que fiquei meio tímida, mas era tão gostosa aquela risada que eu até me sentia útil de ser o motivo para o universo ouvi-la.

- Ei, tu já está gostando muito de rir da minha cara, hein menina do violão.

- Menina do violão? – Ana pareceu curiosa com a origem do apelido que acabei de usar.

- Naquele festival da escola, o violão parecia maior que você, eu tava te vendo e só via olhos e violão – Comecei a rir e ela acabou rindo junto.

- Faz um tempo isso, hein, meus olhinhos te encantaram assim? – Ela disse enquanto se aproximava um pouco, como quem brinca de flertar, continuamos a gargalhar como se fôssemos melhores amigas pela vida inteira.

- Olhinhos e o som que fazia. – respondi, entrando na brincadeira também.

Ana pareceu corar um pouco, parou de gargalhar tão livremente e soltou apenas um sorrisinho tímido, fiquei um pouco confusa com a reação dela, será que eu a tinha ofendido? Não conseguia decifrar sua expressão naquele momento e fiquei um pouco preocupada. Resolvi perguntar, afinal boca é pra falar mesmo, né?

- Desculpa, eu disse alguma coisa errada? Tá tudo bem?

Ela riu e fez que sim com a cabeça.

- Eu só não sou boa em receber elogios, mas me fala de você, por onde anda e o que faz dessa vida desde que saiu da escola?

- Teatro, RJ, tentando encontrar o segredo do universo e me encontrar um cadinho. Tu não precisa nem me dizer já que seus pais contaram isso pra toda Araguaína, cê faz medicina, né?

- Aham, em Minas.

Assim a conversa fluiu e a menina tímida que morava em Minas, fazia medicina, era o orgulho dos pais, tinha 3 irmãos, um canal no youtube pouco alimentado e um amor gigante por bichinhos e música já tinha virado parte da minha vida de um jeito muito louco, como se nos conhecêssemos a vida inteira. Parece que Ana Clara era minha gêmea perdida na vida porque nada no mundo explicava aquela sensação de casa.

Agora já estávamos sentadas em uns banquinhos altos no bar e conversávamos por bastante tempo, até esqueci da atenção que tanto queria dar aos meus amigos, estava completamente submersa naqueles assuntos que se mesclavam e que a priori seriam banais, mas que não estavam sendo graças a uma conexão muito esquisita que sentia com Ana Clara.

A festa começava a minguar e nossos amigos foram se despedir, nem parecia, mas conversamos mais que o planejado. O tal Dan foi se oferecer para nos dar carona, Ana aceitou, eu titubiei, mas ela insistiu, entramos os 3 no carro dele, sentei no banco de trás enquanto Ana sentou no carona, conversávamos sobre banalidades até que recebi uma mensagem da Gabi me avisando que teríamos uma festinha de recepção para uma amiga da escola no dia seguinte e resolvi convidá-los na intenção de conhecer mais Ana e aproveitar ainda mais aquela aura bonita que ela deixava quando tava por perto.

- Ei, gente, vai ter uma recepçãozinha pra Cá amanhã, cês conhecem ela? Filha da dona Inês.

- Conheço sim, a irmã dela estudou comigo, mesma sala, faz tempos que não a vejo. – respondeu Ana – Já fui chamada pra esse rolê, mas não vai dar que vou buscar outra pessoa no aeroporto bem nessa hora.

- Ah, que pena. – respondi – E tu, Dan?

- Eu já ia mesmo, vai ser bem legal, todo mundo voltando pro ninho e se reencontrando, nos vemos lá – ele me respondeu animado.

- Mas Vitória, escuta, vai ter um lualzinho amanhã, a Cá deve até ir também, cê quer ir? Vai ser mais pra de noite, mas vai ser massa. – disse Ana parecendo animada.

- Ah, sim, eu já ia também – rimos juntos da ironia que é o tamanho de Araguaína.

Chegamos em minha casa e fui direto pro banho. Assim que saí dele, a primeira coisa que fiz foi procurar Ana Clara nas redes sociais e, obviamente, a encontrei facilmente já que tínhamos muitos e muitos amigos em comum. 

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