Cor de marte

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*Vitória*

Quando senti o toque de Ana, fiquei paralisada. Eu não sabia ao certo como estava me sentindo, mas meu corpo identificava cada movimento da mão dela em meu braço e se arrepiava com cada um. Aqueles olhos imensos me encarando não colaboravam muito e eu resolvi ficar apenas ali, parada, encarando a Ana e esperando que ela decidisse algo sobre o que significavam aqueles toques.

Apoiei minha cabeça em uma das mãos e, ainda deitada de lado, continuei a encarar a Ana Clara. Comecei a acariciar a barriga dela, por cima da regata branca que ela usava, com a mesma leveza que ela acariciava meus braços. Ana, resolveu chegar ainda mais perto de mim. Minha cabeça estava turbulenta e eu tenho certeza que ela estava ouvindo meus batimentos cardíacos e sentindo a vibração do meu corpo inteiro. Eu nunca senti isso por nenhum rapaz no mundo inteiro.

- Seus olhos são meio vermelhos nessa luz, sabia? Eles geralmente são mais terrosos, mel, não sei, parece um universo inteiro – Ana me disse, quase sussurrando, sem parar de me olhar, parecia que ela conseguia me ler inteira.

Eu não consegui respondê-la verbalmente, mas cheguei minha boca mais perto da dela e agora Ana estava no espaço entre a parede e eu, minhas mãos já haviam saído da barriga dela e ido em direção à cintura.Nossas bocas se aproximaram e ali, entre aqueles olhos grandes e nossos sorrisos sincronizados, quando percebi eu já estava beijando aquela boca cujo gosto doce de vinho suave me embriagou ainda mais. Meu corpo me guiava em direção à ela e eu não conseguia mais ignorar, minhas pernas já se entrelaçavam com as dela e as mãos, que antes percorriam meus braços com delicadeza me puxavam para perto.

Pensando bem, talvez minha embriaguez fosse uma bela mistura de Ana Clara e vinho e minhas mãos passeavam pela lateral do corpo dela, enquanto as dela tateavam minhas costas. Nosso beijo não era nada lento, na verdade, parecia que ambas estávamos desejando ele por tanto tempo que nossa pressa ficava evidente em nosso beijo. Eu podia sentir o calor do corpo da Ana no meu corpo, parecia que poderíamos criar correntes elétricas apenas com um beijo. Quando o ar já faltava e nossos corpos não tinham como se juntar mais, ela parou o beijo, virando seu rosto para que eu não voltasse a beijá-la, como tentei fazer.

- Vi, não. Eu quero, mas eu não posso, é que – Ela parecia confusa e falava tão rápido quanto o nosso beijo.

- Letícia – Eu completei por ela.

O semblante da Ana mudou rapidamente e agora se parecia com tristeza. Ela não olhava mais pra mim, como se evitasse meu olhar e eu não conseguia entender o que aquilo queria dizer, nossos corpos ainda estavam entrelaçados e eu tratei de me afastar um pouco. Sentei na cama e fiquei em silêncio, de costas pra Ana. Eu sentia uma culpa imensa por ter desrespeitado a Letícia, mas me sentia ainda pior por poder ter destruído minha amizade com a Ana. Ela tinha se tornado a coisa mais feliz desses dias confusos e eu já não sabia o que seria se não tivesse as piadas sem graça de Ninha todos os dias.

Quando me dei conta, as lágrimas rolavam pelo meu rosto e o medo de perdê-la era sufocante. Ana continuava deitada, imóvel. Eu não sabia se ela me olhava e não queria que ela o fizesse, eu não conseguiria retribuir agora. Meus sentimentos alternavam entre uma vergonha muito profunda e um medo maior ainda.

- Ei, olha pra mim. – Ana falou enquanto colocava suas mãos em minhas costas delicadamente – Vi, não precisa ficar assim não, vai. Tudo bem, eu deveria ter parado, eu não sei o que te dizer, mas tá tudo bem. Deita aqui. Deixa isso pra lá, vamos fingir que nada aconteceu, por favor.

- Não é certo, Ninha. Não é certo contigo, nem com a sua namorada, eu não queria fazer isso, eu não sei o que me deu. Se você quiser, eu posso ir pra um hotel, tem uma pousada aqui? – Falei na esperança que houvesse, eu realmente não queria dormir ali.

- Vitória Fernandes Falcão para de besteira agora. Você é minha amiga, nós cometemos um erro. Deixa de besteira e deita aqui pra dormir. – Ela disse e eu não soube diferenciar se era brincadeira.

- Sério, Ninha, por favor, me diz pra onde eu posso ir, a Letícia vai ficar muito brava, ela já nem gosta de mim – Eu ainda não tinha conseguido virar e olhar pra ela, embora ela tivesse pedido.

Ela se sentou na cama e me abraçou pelas costas com uma força que eu não imaginei que poderia vir de alguém tão pequeno, escondendo seu rosto no meu pescoço.

-Deixa disso, Vi, tá tudo bem, já passou. Foi só um beijo, depois eu me resolvo com a Lê, agora quero é me resolver contigo. Por favorzinho, deite nessa cama e dorme aqui. Eu tava morrendo de saudade e quando tu chegou tudo virou graça e papo e a solidão voou pra longe. Vai não. Tu me deixa tão feliz, tu me completa tanto e quando você sorri eu morro de vontade de sorrir também – Ninha disse e eu não sei como ela fez, mas eu já tinha concordado mesmo sem concordar.

Deitei na cama para demonstrar que estava tudo bem e ela deitou do meu lado, apoiando sua cabeça em meu ombro e secando as lágrimas que restavam no meu rosto. Eu a abracei com toda a força que pude e dormimos assim, coladas, sem conversar além do necessário para me convencer a ficar.

Acordei com um barulho alto da campainha tocando e o movimento brusco da Ana saindo da cama. Eu ainda estava sonolenta, mas consegui ouvir nitidamente a voz de Letícia se espalhando pelo pequeno apartamento gritando:

- SURPRESA!

Consegui apenas trocar o pijama e arrumar minhas coisas que estavam espalhadas pelo quarto, eu não sabia se Ana tinha dito para a Letícia que eu estava ali, então resolvi esperar. Já não conseguia ouvir nada vindo de fora, e a primeira coisa que ouvi foi meu nome.

- VITÓRIA, ANA CLARA? SÉRIO? – Letícia não parecia estar feliz em saber da minha presença.

- Por favor, Lê, para de gritar. Tá tudo bem. Não aconteceu nada – Enquanto Ana dizia essa frase, eu resolvi sair do quarto, afinal todos já sabiam da minha presença, e ir ao banheiro buscar minhas coisas que faltavam.

- VOCÊ ME DISSE QUE ESTAVA EM PROVAS, ANA CLARA! – me ver não foi o suficiente para que a Letícia falasse baixo, ela queria que eu ouvisse – QUE PORRA DE SURPRESA O CACETE!

A Letícia estava sendo realmente muito agressiva e a Ana não parecia saber como fazer ela parar de falar daquela forma, eu resolvi intervir para ver se as coisas acalmavam entre elas.

-Letícia, tá tudo bem, não houve nada, eu só fiz uma surpre...

- EU NÃO TE PERGUNTEI NADA! - fui interrompida por uma Letícia que agora gritava comigo.

Resolvi sair rápido, não consegui nem me despedir da Ana, meu coração estava na boca, eu estava realmente muito confusa e toda aquela agressividade me deixou pior ainda. Saí direto para o aeroporto, eu precisava conseguir um vôo o mais rápido possível para o RJ. Não foi tão difícil conseguir, mas eu teria que esperar por 3 horas até que ele saísse. Cochilei nos bancos, quando acordei fui checar o celular.

FS: " Oi, Vitória, eu estou radiante. Segunda-feira mesmo eu ligo pra vocês e podemos marcar a vinda de vocês para Sampa. Obrigado pela confiança" (9:56 am)

Eu já não sabia se a mensagem do Felipe era boa ou ruim e resolvi deixar pra lá. Tinha uma mensagem da Ana Clara, do meio da madrugada. Parece que ela estava acordada enquanto eu dormia. Era um áudio com um trecho de música inacabada:


"Me fita que eu gosto de me enxergar
Por dentro do teu olho
É tão bonito de lá
Tem cor de Marte
E teletransporte
Pra galáxia que mora em você
Me passeia que eu gosto de arrepiar
Sob sua digitais
É impossível calar
É feito sorte
Me abraça forte
E tateia todo meu caminho
Me prova, me enxerga, me sinta, me cheira
E se deixa em mim
Me escuta no pé do ouvido
Todos teus sentidos
Que afetam os meus"
( 2:34 am)

Marte e GirassóisOnde histórias criam vida. Descubra agora